A noite lisboeta passa pelo Bairro Alto

O Bairro Alto foi um dos primeiros bairros históricos de Lisboa a assistir a um rejuvenescimento nas suas artérias. De dia é um espaço familiar, à noite “dia sim, dia sim”, é um local boémio e de convivência. São estas variações que três investigadores do Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas (CICS.NOVA) da NOVA FCSH analisaram, através da deambulação no local.

O Bairro Alto, um bairro fortemente marcado por “classes populares com um elevado nível de envelhecimento”, ganhou uma nova dinâmica com a chegada de estudantes de Erasmus, de turistas e profissionais liberais, intelectuais e cientistas à procura de alojamento. A população entre os 15 e 39 anos (jovens e jovens-adultos) teve um papel importante na mutação deste e de outros bairros históricos de Lisboa, no que diz respeito aos padrões de uso e consumo no espaço público e ao rejuvenescimento destes bairros.

O artigo (2017) de Maria do Rosário Jorge, Luís Vicente Baptista e Jordi Nofre, investigadores do Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais (CICS.NOVA), analisa as mudanças urbanas e residenciais no Bairro Alto, através do trabalho de campo etnográfico de Jordi Nofre, entre 2010 e 2014. Este trabalho deu origem a vários artigos e a um projeto do qual é coordenador, LX Nights, onde explora a noite lisboeta e as transformações urbanas da cidade.

Nas suas deambulações, Jordi Nofre repara que “o Bairro Alto pertence aos consumidores de lazer noturno, maioritariamente (ainda que não exclusivamente) jovens e jovens adultos de diversas origens socioprofissionais, económicas, culturais, étnicas e inclusive religiosas”. O espaço tem o cunho de “bairro de diversão noturna por excelência em Lisboa”, um cartão de visita da cidade.

Mas como é que o Bairro Alto alcançou esta fama? O primeiro caso de gentrificação começou em 2005-2006, quando os estudantes do programa de mobilidade ERASMUS começaram a olhar para o Bairro Alto não só como um espaço para residir, mas também para a diversão noturna. O bairro começa a ser frequentado com este intuito, não só por estudantes, mas também por “grupos de jovens alternativos lisboetas, sobretudo punks, que se encontravam entre a esquina do Bar Mezcal e a porta do bar de punk-rock Boca do Inferno”, apontam os investigadores.

Quando o programa Erasmus começou em Portugal, em 1988, registou-se um aumento do alojamento temporário em Lisboa. Só entre 2000 e 2013, a cidade recebeu 300 mil estudantes deste programa, o que constituiu um aumento do preço das habitações temporárias na cidade.

No que diz respeito ao Bairro Alto, os preços acessíveis do arrendamento das habitações, conjugados com o espírito bairrista – bares boémios, locais de fado, “prostituição marginal” e ainda sítios dedicados aos estudantes – fizeram com que este local começasse a ser a zona de eleição para a convivência noturna.

Os investigadores apontam esta gentrificação no Bairro Alto e a colocação de Lisboa no mapa de turismo urbano como um dos fatores para a maior procura do bairro. Com o aumento do turismo e depois da normativa de 2008, vários alojamentos foram reconvertidos em apartamentos turísticos. Só na terceira semana de julho de 2016, afirmam os investigadores, existiam “525 apartamentos turísticos oferecidos através do AirBnB, de um total das 3050 casas do bairro”.

Por outro lado, esta azáfama noturna no Bairro Alto não tem em conta os residentes, principalmente os mais idosos: “Incomodam. São um incómodo para o processo de internacionalização da cidade levado a cabo pelos atores locais, nacionais e transnacionais dos sectores imobiliário, turístico, de restauração e de lazer”, apontam os investigadores.

Apesar deste rejuvenescimento do bairro, as estatísticas censitárias não o demonstram. Mas sentem-se. Todas as noites no Bairro Alto.

Escrito por
Ana Sofia Paiva
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