Afinal, falou-se mais cedo de Shakespeare em português

Pensava-se que datava do século XIX a primeira referência ao dramaturgo inglês na cultura portuguesa, mas a Biblioteca Nacional, em Lisboa, esconde uma epístola traduzida em 1786 que prova o contrário.   

A primeira menção a Shakespeare é feita numa carta do poeta inglês Edward Young, escrita em 1713, publicada conjuntamente com a peça de teatro “A vingança do Doutor Young”, de 1721, e traduzida para português em 1786, por Vicente Carlos de Oliveira. Foi encontrada apenas três séculos depois por Isabel Lousada, investigadora da NOVA FCSH, devido àquilo que considera ter sido uma “falta de rigor no manuseamento e descrição da obra”, como explica em conjunto com Maria João da Rocha Afonso no artigo “Shakespeare no circuito de uma epístola entre Londres e Lisboa” (2011).

Inocêncio Francisco da Silva, bibliógrafo português do século XIX, não mencionou a existência da epístola no Dicionário Bibliográfico Português (1858-1923), que “terá sido remetida para segundo plano” por ter sido publicada em conjunto com a peça de teatro. É no Centre for English, Translation and Anglo-Portuguese Studies (CETAPS) da NOVA FCSH que Isabel Lousada encontra um exemplar da obra (disponível atualmente na biblioteca do Edifício ID da NOVA FCSH, com a referência B19) com a carta de Edward Young, contrariando a ideia geral de que a primeira referência a Shakespeare datava apenas do século XIX. O outro exemplar encontra-se na Biblioteca Nacional (BC 3758 RES), em Lisboa.

Como chegou a carta a Lisboa? Os exemplares da Biblioteca Nacional que apresentam Edward Young em língua inglesa e que incluem a epístola pertenceram a Cipriano Ribeiro Freire (1749-1825), um diplomata português, membro da Academia de Ciências de Lisboa e secretário encarregado de negócios na Corte de Londres entre 1774 e 1791. Terá sido numa dessas viagens que os volumes chegaram à capital. No entanto, foram indevidamente encadernados, trocando-se os terceiro e quarto volumes, o que dificultou a localização pelas investigadoras da Epístula de Young a Lord Landsdowne. A tradução das peças de Edward Young terá sido encomendada por António José de Oliveira, empresário teatral, talvez pensando numa futura passagem à cena.

Nesta carta, dirigida a Lord Landsdowne, poeta e político inglês, Young compara o teatro inglês com o francês. É numa das passagens que menciona Shakespeare, comparando-o com o dramaturgo francês Jean Racine: enquanto este “imita”, Shakespeare “cria, não se prendendo a leis que não as que o seu génio dita”, afirma, elogiando as paixões descritas pelo autor de Othelo ou Macbeth.

O tradutor da epístola, Vicente Carlos de Oliveira, foi um escritor português do século XVIII, autor de Lisboa Restaurada. Embora a tradução não seja fiel à epístola original – não parte da obra original, mas da tradução francesa de Le Tourneur, acabando por perder a “profundidade do sentido” do original –, as investigadoras sublinham que este primeiro encontro com Shakespeare, em 1786, “foi mais uma pedra no caminho que faria do nome de Shakespeare uma referência verdadeiramente europeia”.

Imagem: Edwin Lanseer, “Titania and Bottom” (cena do terceiro ato da peça “A Midsummer Night’s Dream”  de William Shakespeare). Óleo em tela (1851).

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