No coração de Lisboa – percurso literário

A zona que é considerada por excelência o coração da cidade é também o centro do imaginário literário. Este percurso traça a história de Lisboa, do século XIX até à atualidade, através dos seus escritores.

Como é que a literatura conta a história da cidade? Este é o mote para um roteiro literário centrado no coração de Lisboa – do Chiado ao Marquês de Pombal. Foi preparado com Ana Isabel Queiroz, investigadora do IELT – Instituto de Estudos de Literatura e Tradição da NOVA FCSH que selecionou textos de escritores a partir da compilação realizada no projeto Atlas das Paisagens Literárias de Portugal, de que é coordenadora.

Os autores escolhidos fogem ao rol dos clássicos presentes nos habituais percursos literários, permitindo contar a história do espaço literário de Lisboa a partir de outras vozes. Clique nos links que encontrar ao longo do roteiro para explorar outras paragens do conhecimento.

Largo do Barão de Quintela

O percurso começa no Largo do Barão de Quintela, junto à estátua de Eça de Queiroz. Esta zona é por excelência o coração do espaço literário, concluíram Ana Isabel Queiroz e Daniel Alves a partir da análise de 35 romances de autores entre os séculos XIX e XXI. Também João Bouza da Costa (1954-  ) o diz, em Travessa d’ Abençoada (2012), reclamando como “sua cidade” a zona da Rua do Alecrim, o Chiado e os Restauradores, que se conhece essencialmente a pé.

Junto à estátua de Eça de Queiroz (1845-1900) é imperativo lembrar Artur Corvelo, personagem d’ A Capital (1925), que foi para a cidade com o sonho de pertencer à intelectualidade lisboeta: “ia à casa Havanesa, florir-se com uma camélia, e com a boquilha em riste, fazendo vergar a badine, descia o Chiado, errava pela Baixa (…) procurava encontrar ‘a sua Clara’; mas todas as mulheres novas lha faziam esquecer, voltar-se, com a esperança indefinida de que ia ser amado, por esta, por aquela, impressionada pela sua figura, pela sua sobrecasaca azul (…).”

Chiado, junto à Brasileira

Suba a Rua do Alecrim e vire à direita em direção ao café A Brasileira. Aí encontra outra estátua de um escritor emblemático da cidade – Fernando Pessoa. O Chiado, a primeira zona da capital a ter iluminação a gás, é referência constante na literatura. Em O Arcanjo Negro (1939), de Aquilino Ribeiro (1885-1963), o Chiado era “um açude de gente”, entre as beldades que entravam na mítica Casa Havaneza aos “vates de toda a ordem, afogados na maré de prosaísmo ambiente”, à porta da Brasileira.

Vítor Serpa (1951-…  ), em Como eu fui além de mim, um dos contos de Salão Portugal: novos contos da velha Lisboa (2008), fala da beleza das gentes da Baixa, centro de Lisboa: “Eu achava as pessoas da Baixa as mais bonitas de Portugal, talvez, mesmo, as mais bonitas do mundo, e tive dificuldade em entender quando o meu pai me explicou que as pessoas que andam na Baixa, quase todas, não nasceram na Baixa, são, afinal, de todo o país e estão na Baixa porque, aí, é o centro de Lisboa”.

 Rossio, Praça D. Pedro V

Desça a Rua Garrett e a Rua do Carmo em direção ao Rossio, também protagonista da literatura portuguesa. Pare na Praça D. Pedro V e confirme a veracidade das palavras de Alfredo Gallis (1859-1910), em Mulheres Perdidas (1902): “Hoje, como há quarenta anos, o Rossio e as ruas que nele desembocam constituem o coração da cidade propriamente dito. É aquele ponto da cidade, o de maior afluência, tanto de dia como de noite, e nele se concentra todo esse incessante movimento de peões, trens e veículos que constituem a feição de todas as capitais”.

O Rossio é também recordado na literatura como palco de grandes revoluções. “O Rossio era um mar de cabeças. Soldados confraternizavam com civis, levando raminhos na orelha, trocavam os bonés, davam as armas, abraçavam rapazolas de pé descalço que tinham estado na Rotunda, de peito aberto às balas”, lê-se em Os Reinegros (1972) de Alves Redol (1911-1969), a propósito do 5 de outubro de 1910.

“Salgueiro Maia avançou para o Carmo. / O povo enchia as ruas. O Rossio. Soubera-se que Marcelo Caetano se refugiara no Quartel da Guarda. Seria lá que tudo se iria dar. Resolver. / Ninguém queria perder o momento. Ficar longe.” Estes momentos da Revolução dos Cravos estão imortalizados nas palavras de Filomena Marona Beja (1944-  ) em Bute Daí, Zé (2010), que segue a vida de vários jovens no antes e depois do 25 de abril.

Praça dos Restauradores e Avenida da Liberdade

Siga até à Praça dos Restauradores, onde começa a Avenida da Liberdade. Na literatura é geralmente associada a progresso e ao percurso comum dos lisboetas no início do século XX. Jean-Yves Loude (1950-  ) descreve este “tubo digestivo da cidade” em Lisboa na Cidade Negra (2005): “A Avenida da Liberdade é uma correnteza de árvores que desce do Parque Eduardo VII até à Baixa; um longo rio urbano cujo estuário se confunde com o largo do Rossio, onde direções e destinos se diluem…”. O escritor francês lamenta, no entanto, no que a Avenida se tornou: “Essa artéria ruidosa e comercial, outrora passeio público, já não é um lugar ideal de convívio ou de encontro”.

Suba pelo lado esquerdo da Avenida da Liberdade. Pare nas escadas do Cinema São Jorge ou na esquina da Rua do Salitre para ler uma passagem do romance Enseada Amena (1966), de Augusto Abelaira (1926-2003). A personagem principal, Osório, quer conquistar Ana Isa e tenta impressioná-la através dos conhecimentos que tem da cidade – desde a destruição do Passeio Público em 1879 à perda de identidade da Avenida da Liberdade. Será que o consegue fazer?

Marquês de Pombal e Parque Eduardo VII

Continue a subir a Avenida da Liberdade até ao Marquês de Pombal. Tem em frente o imponente Parque Eduardo VII, descrito no conto E aos costumes disse nada (Gaivotas em Terra, 1988) de David Mourão-Ferreira (1927-1996). À hora do almoço, o parque “era um jardim estrangeiro, um campo de refugiados, uma zona internacional. As próprias árvores, o relvado, as áleas, pareciam beber exóticas sugestões nas páginas dos periódicos estrangeiros que velhos senhores, de perfis semitas, desdobravam e liam sobre os bancos verdes”.

Aventure-se pelo Parque Eduardo VII até ao topo, último ponto deste percurso. Quando chegar, vire o seu olhar para o Marquês de Pombal com o parque “a seus pés”, tal como a personagem de Alexandra Alpha (1987) de José Cardoso Pires (1925-1998): “ao fundo, a estátua do Marquês com o leão de bronze pela trela (…) e mais para diante desfilava a Avenida, cinemas, comércio, andaimes de anúncios luminosos encavalitados em telhados fim-de-século”.

Lisboa, do alto do Parque Eduardo VII, é a musa de qualquer escritor.

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