Como cuidou a medicina dos sobreviventes após o terramoto de 1755?

“Enterrar os mortos e cuidar dos vivos”, frase que terá sido proferida por Marquês de Pombal após o terramoto de 1755, levou um investigador da NOVA FCSH a uma questão: como foi então a resposta da medicina à maior catástrofe natural em Lisboa?

As abordagens médicas do terramoto de 1755 resumem-se, em geral, à avaliação do número de mortos, que se situam entre os 10 mil e os 90 mil, sem especificar a localização geográfica, concluiu Hervé Baudry, investigador da NOVA FCSH, depois de analisar uma quinzena de documentos, em particular tratados contemporâneos de medicina.

O historiador avança neste artigo com um novo ângulo com base na disciplina de Estudos dos Desastres (Disaster Studies). Nascida na década de 1980, tem em conta os fenómenos naturais, sociais e culturais na compreensão de um evento catastrófico e as desigualdades sócio-económicas da população, expressas no conceito de “vulnerabilidade”. Basta destacar as diferenças entre as consequências de um mesmo desastre em países desenvolvidos e em países subdesenvolvidos ou a mobilidade dos homens em comparação com a das mulheres e crianças.

No caso lisboeta, a prática médica de urgência, que incluía monitorização, cuidados de higiene, dieta e descanso, foi reservada, exceto nas doenças mais graves, às classes ricas. A renúncia ao tratamento desempenhou também um papel importante na mortalidade pós-sísmica, dado que a população encarara o desastre como intervenção divina.

Os seis hospitais que Lisboa tinha na altura foram parcial ou totalmente destruídos: os sobreviventes foram tratados em barracas improvisadas. Hervé Baudry explica as intervenções possíveis nos sobreviventes recorrendo a quatro níveis da medicina de emergência – automedicação, medicina interna, assistência por caridade e assistência reforçada com suporte médico e cirúrgico. Muitos feridos, com pernas e braços partidos, foram imediatamente tratados, sem ajuda de cirurgiões ou medicamentos. Uns acabaram por morrer por causa da gangrena; outros viram os seus braços e pernas serem amputados.

O investigador sublinha que a catástrofe marcou profundamente as mentes, levando a exprimir coletiva ou individualmente reações típicas do que hoje é conhecido como síndrome do stress pós-traumático. O terramoto de 1755 acabou por destacar os atrasos nas infraestruturas da cidade, levando à necessidade de novas políticas de saúde pública.

Legendas das imagens: em destaque, “Ex-voto a Nossa Senhora da Estrela”, uma representação da devastação provocada pelo terramoto de 1755 (óleo sobre tela, autor desconhecido, 2.ª metade do século XVIII), que pode ser vista no Museu de Lisboa; acima, ruínas do Convento do Carmo vistas do Rossio, testemunho visível desta catástrofe. 

 

Escrito por
Dora Santos Silva

Professora do Departamento de Ciências da Comunicação da NOVA FCSH. Coordenadora editorial do +Lisboa.

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