Como era Lisboa antes do Terramoto de 1755? Há um painel de azulejos que lhe revela (quase) tudo

Nos últimos seis anos, uma equipa de historiadores centrada na NOVA FCSH fez a identificação iconográfica de quase 150 edifícios e equipamentos presentes no “Grande Panorama de Lisboa”, executado em finais do século XVII. São várias as histórias agora reveladas por este painel de azulejos, com 23 metros de comprimento, mas a maior continua à vista de todos.

“Se calhar, o maior segredo é justamente o de existirem ainda muitas marcas da Lisboa anterior a 1755”, revela Pedro Flor, investigador do Instituto de História da Arte da NOVA FCSH e coordenador do projeto “Lisboa em Azulejo”. Ao contrário do que diz muita da bibliografia sobre a cidade, nem tudo desapareceu no terramoto de 1755, salienta. “É certo que a parte relativa à Baixa foi a mais afetada, mas o restante da urbe e as zonas limítrofes resistiram ao cataclismo. O mesmo sucedeu com o Bairro Alto, Santa Catarina, Santos-o-Velho e Junqueira, no lado ocidental; Santa Engrácia e Xabregas, no lado oriental.”

Esta investigação veio provar isso e o resultado confirma-se no website “Lisboa em Azulejo antes do Terramoto de 1755”. São quase 150 edifícios e equipamentos de arquitetura civil, religiosa ou militar que se encontram “georreferenciados” na reprodução virtual do Grande Panorama de Lisboa, patente no Museu Nacional do Azulejo, em Lisboa.

Através do website, o utilizador pode clicar em cada ponto de interesse georreferenciado e aceder à sua história. O Convento de Santa Maria de Jesus, em Xabregas, ficou muito danificado com o terramoto, mas sobreviveu e é hoje a sede do Instituto de Emprego e Formação Profissional. O próprio edifício que acolhe o Museu Nacional do Azulejo foi em tempos o Convento de Madre Deus, fundado pela Rainha D. Leonor.

Outros equipamentos já não existem, mas ficam as suas histórias, como a do Baluarte da Porta do Pó, uma fortificação que se situava na zona da praia da Boavista. Esta é, aliás, segundo Pedro Flor, uma das zonas mais corretamente representadas no painel, talvez porque Gabriel del Barco, autor do painel, nela morou.

A atribuição autoral deste painel de azulejos a este pintor espanhol, muitas vezes questionada, também é reforçada nesta investigação. “Os resultados laboratoriais, assegurados por investigadoras da Faculdade de Ciências e do Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa, demonstraram uma afinidade impressionante entre a composição mineralógica do ‘Grande Panorama de Lisboa’ e outras peças procedentes da oficina de Gabriel del Barco que se encontram assinadas”, explica Pedro Flor.

O investigador salienta ainda que os finais do século XVII, data de execução deste painel, marcam o abandono da policromia e declaram o início da aplicação do azul e branco, por influência holandesa. Essa tendência levaria a dois grandes momentos da azulejaria nacional no século XVIII: o “Ciclo dos Mestres”, até 1730, e a “Grande Produção Joanina”, entre 1730 e 1750. Gabriel del Barco descobre ainda no século XVII o “sentido gráfico e teatral da azulejaria, através do uso magistral do traço em cambiantes de azul que alternam planos, volumes e figuras”.

O painel azulejar “Grande Panorama de Lisboa” é considerado um dos mais importantes registos iconográficos e históricos da cidade antes de esta ser atingida pelo terramoto de 1 de novembro de 1755. A própria história deste painel, que chegou a estar encaixotado na Academia de Belas Artes, foi reconstruída por Hugo Xavier, também investigador da NOVA FCSH.

O projeto “Lisboa em Azulejo antes do Terramoto de 1755” nasceu no Instituto de História da Arte da NOVA FCSH. Do grupo de investigação dedicado aos Estudos de Lisboa já saíram outros, como “A Casa Senhorial entre Lisboa, Rio de Janeiro e Goa (séculos XVII/XIX) – Anatomia dos Interiores” ou “LX-Conventos – Da cidade sacra à cidade laica”.

A equipa base deste projeto incluía 12 membros de vários centros de investigação, mas rapidamente cresceu. No final reunia mais de trinta pessoas, fora a centena de colaboradores, entre os quais José Meco, historiador de artes decorativas. O projeto contou com o apoio da Câmara Municipal de Lisboa, Museu de Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian entre outros equipamentos portugueses.

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