Graça em estado de graça

Diz-se que é uma das zonas mais ricas em edifícios de tipologia operária – conhecidos como vilas operárias –, solução encontrada pela cidade para acolher os trabalhadores fabris vindos de todo o país, mas é muito mais do que isso. Descubra neste roteiro uma outra Graça, onde figuras literárias, fado e outras teias de cultura se cosem com a apertada malha urbana.

Bairro anterior ao século XVIII, a Graça nasceu sem plano, com geometria variável e quarteirões irregulares, característicos de várias épocas, destaca o geógrafo Nuno Pires Soares, da NOVA FCSH, com quem este roteiro foi preparado. Hoje, acolhe população envelhecida, mas também novos residentes, incluindo muitos estrangeiros. É um dos bairros obrigatórios nos percursos dos guias turísticos e objeto do filme Cidade Guiada, realizado por Catarina Freire Leal, no âmbito do mestrado em Antropologia (2014) da NOVA FCSH. Clique nos links que encontrar ao longo do roteiro para explorar outras paragens do conhecimento.

Sapadores

O percurso começa no cruzamento da Rua Penha de França com a Rua dos Sapadores. Pode optar pelo autocarro 726 e sair na paragem Sapadores ou pelo mítico elétrico 28 (neste caso, a paragem Sapadores é mais abaixo, no cruzamento com a Rua Angelina Vidal). Comece a descer a Rua dos Sapadores até encontrar a Rua Natália Correia. A antiga Rua A a Sapadores passou a ser assim designada em 1993, em homenagem à escritora e política que será mencionada novamente neste roteiro.

Vila Rodrigues

No cruzamento seguinte, avista a Rua da Senhora da Glória. Avance até ao número 142 e passe o portão verde para apreciar a primeira vila operária deste roteiro a Vila Rodrigues que se esconde nas traseiras de uns prédios. É conhecida pelas escadas que unem as várias habitações de formato humilde (porta, janela, porta, janela), contrastando com outras vilas operárias deste percurso.

Bairro Estrela d’Ouro

Prossiga cinco minutos desde a Vila Rodrigues, do lado poente, à Rua da Graça até encontrar o Bairro Estrela d’Ouro, projetado pelo arquiteto Norte Júnior. Construído em 1908 para acolher os trabalhadores da Confeitaria Agapito, é composto por 120 habitações distribuídas por oito ruas. É visível a distinção entre as habitações destinadas a trabalhadores, ligadas por escadas e galerias exteriores, e as destinadas à família do proprietário, Agapito Serra Fernandes, onde se destaca a Vivenda Rosalina, um palacete com capela privada, cascata e jardim, que acolhe atualmente um lar de idosos. A estrela, símbolo republicano e maçónico, que deu o nome ao bairro, está presente em motivos decorativos, das pedras da calçada ao ferro forjado dos candeeiros. Neste bairro encontra-se o antigo Royal Cine, uma das salas de cinema estudadas por Margarida Acciaiuoli.

Casa de Angelina Vidal

A caminho do miradouro da Senhora do Monte, opte pela Rua de São Gens. No n.º 41, viveu e viria a falecer Angelina Vidal, uma republicana feminista que deu voz aos desfavorecidos, em particular às mulheres operárias, que trabalhavam, na passagem para o século XX, 15 horas por dia. Também esta escritora, professora e olisipógrafa atravessou graves dificuldades financeiras ao longo da sua vida.

Miradouro e Capela da Senhora do Monte

Um pouco mais à frente, está no ponto mais alto do bairro, o miradouro da Senhora do Monte. A vista é panorâmica: a colina do Castelo, com o rio Tejo ao fundo; o Bairro Alto, em frente; a Mouraria, em baixo; a Lisboa que se expande para norte a partir dos finais do século XIX. A original capela do Monte de São Gens, que datava do século XIII, foi reconstruída após o terramoto de 1755.

Vila Berta

Desça pela Rua de São Gens, atravesse a Rua da Graça e continue a descer em direção a nascente, pela Rua do Sol à Graça. Do seu lado direito vai deparar-se com o arco de entrada da Vila Berta. Atravesse este espaço que é o palco do arraial das festas populares do bairro, em junho. Projetada e construída em 1902 por Joaquim Francisco Tojal, a vila destinou-se a albergar a sua família, parentes e amigos próximos. A exceção verifica-se nas habitações em cave sob os edifícios de rés-do-chão e primeiro piso, destinadas ao alojamento dos operários e mestres do estaleiro de construção Tojal. De qualidade arquitetónica superior à Vila Rodrigues, os edifícios amarelos, organizados em duas bandas, destacam-se pelas varandas de ferro ao nível do segundo andar que servem de alpendre aos rés-do-chão ajardinados.

Jardim Augusto Gil

Prossiga pela Travessa Pereira até ao Largo da Graça. Aí encontra o Jardim Augusto Gil (1873-1929), poeta cuja obra foi cantada em muitos fados de Lisboa, um género musical amplamente estudado na NOVA FCSH. Em frente ao jardim, de costas para a igreja da Graça, avista um dos mais antigos edifícios de educação republicana, a Escola Oficina nº 1.

Vila Sousa e o Botequim da Liberdade

Caminhe 100 metros, ainda no Largo da Graça, em direção a um edifício com azulejos azuis e uma porta verde sustentada pela inscrição “Vila Sousa”. Foi construída entre 1889 e 1890, sobre as ruínas do antigo Palácio de Vale de Reis. A planta retangular foi organizada em duas áreas distintas: uma para os trabalhadores e respetivas famílias; a outra para os proprietários. O pátio era, na altura, a entrada da serventia.

A Vila Sousa está associada a Natália Correia, que fundou em 1968 o Botequim da Liberdade, no n.º 79 do Largo da Graça, para se discutir em liberdade literatura, política e feminismo. Por lá passaram David Mourão-Ferreira, Ary dos Santos, José Cardoso Pires e outras personalidades da cultura. Hoje, é um café e espaço de leitura.

Travessa das Mónicas

Nos números 2 a 4 da Travessa das Mónicas, do lado poente da Vila Sousa, encontra o antigo Convento de Santa Mónica (mais conhecido por Convento das Mónicas), fundado em 1586. Depois da extinção das ordens religiosas, em 1834, o convento foi convertido numa casa de correção e, em 1917, numa prisão civil de mulheres. Desativada em 1989, acolhe hoje uma galeria de arte e um espaço para espetáculos de teatro e dança. Foi também nesta Travessa, no primeiro andar do nº 57, que residiu a poetisa Sophia de Melo Breyner.

Caracol da Graça e Jardim da Cerca

Regresse à Vila Sousa para caminhar em direção ao Miradouro Sophia de Mello Breyner Andresen. Encontra do lado esquerdo o célebre Caracol da Graça – um sem número de escadinhas entre casas onde se situavam algumas das olarias de Lisboa Oriental. O Caracol da Graça é um dos três acessos possíveis (pode optar pela Calçada do Monte ou pela Rua Damasceno Monteiro) para chegar ao Jardim da Cerca. Inaugurado em 2015, ocupa a antiga cerca do convento e é o maior espaço verde de acesso público da zona histórica.

Miradouro Sophia de Mello Breyner Andresen (antigo miradouro da Graça)

Se visitou o Jardim da Cerca, terá de subir as escadinhas do Caracol da Graça para regressar ao antigo miradouro da Graça. Com vista também para o Castelo de São Jorge, a Mouraria e o rio, ganhou em 2009 o nome e o busto de Sophia de Mello Breyner Andresen. A poetisa passou muito tempo aqui admirar Lisboa e o Tejo, protagonistas do poema que se encontra junto ao busto.

Digo:

«Lisboa»

Quando atravesso – vinda do Sul – o rio

E a cidade a que chego abre-se como se do seu nome nascesse

(…)

(Poema completo disponível na Biblioteca Nacional online.)

Igreja e Convento da Graça

À direita do miradouro, encontra a igreja e o Convento da Graça (antigo Convento dos Agostinhos), construído no século XIII para albergar os frades eremitas de São Agostinho. Destacam-se a portada barroca da sacristia, os espaldares de mármore e as capelas intermédias com altares de entalhe rococó e esculturas setecentistas. Sobrevivente do terramoto de 1755, é um dos quinze conventos representados na primeira planta da cidade, de 1598, identificados por José Manuel Garcia, historiador de arte da NOVA FCSH.

Largo de Santiago e Palácio dos Condes de Figueira

É tempo de descer pela Calçada da Graça, até ao Largo de Santiago. Imponente e sobrevivente ao Terramoto de 1755, o Palácio dos Condes de Figueira foi objeto de sucessivas construções desde 1490 até ao século XVIII. Junto deste palácio, erguia-se o Arco de Santo André, uma das portas da antiga cerca fernandina, estudada por José Custódio Vieira da Silva, construída em 1373 para proteger a cidade. O arco foi demolido em 1913.

Lápide de trânsito na Rua do Salvador

A pouco mais de 50 metros para sul, na Rua do Salvador, pode apreciar a mais antiga “regra de trânsito” da cidade de Lisboa. Na lápide ali colocada, no reinado de D. Pedro II, lê-se: Anno de 1686, Sua Majestade ordena que os coches, seges e liteiras que vierem da portaria do salvador recuem para a mesma parte.

Da Rua dos Cavaleiros ao Largo do Intendente

Está na reta final deste circuito. Desça primeiro pela pitoresca Rua dos Cavaleiros para depois penetrar no emaranhado de ruelas, onde laboravam antigas olarias. Sempre para norte, chega ao renovado Largo do Intendente. A Graça, vista daqui, continua a ter graça.

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