A história atribulada do Convento das Inglesinhas

Um incêndio arrasador e um texto difamatório marcaram os primeiros anos da estadia em Lisboa de religiosos da Ordem de Sião, expulsos de Inglaterra por Henrique VIII. Um artigo de Rogério Miguel Puga, investigador da NOVA FCSH, desvenda a história do primeiro convento inglês a estabelecer-se em Portugal.

O edifício onde hoje se situa o Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), na Rua do Quelhas, albergou durante quase três séculos o Convento das Inglesinhas (1594-1861), nome pelo qual ficou conhecido o Convento das Brigantinas ou de Santa Brígida em Lisboa.

As irmãs e irmãos da Ordem de Sião que o fundaram  tinham sido expulsos de Inglaterra em 1539, no reinado de Henrique VIII. Flandres e França foram paragens antes da chegada a Portugal, em 1594, trazendo consigo o espólio da Ordem. Hospedam-se primeiro no Convento da Esperança antes de se instalarem, em 1599, num edifício que lhes fora oferecido em testamento. É assim que surge o Convento do Quelhas das Religiosas de Santa Brígida.

Este primeiro convento inglês a estabelecer-se em Portugal seria destruído por um incêndio em Agosto de 1651. Nesse incêndio também arderam a Igreja de São Salvador de Sião e parte do arquivo da Ordem de Sião.

Os primeiros anos da estadia da Ordem em Lisboa foram ainda marcados pela intensa disputa religiosa entre católicos e protestantes que se vivia então na Europa. Em 1622, o mercador e panfletista protestante Thomas Robinson publica um panfleto que difama o convento brigantino inglês de Lisboa. A obra, The Anatomy of the English Nunnery at Lisbon in Portugal: Dissected and Laid Open by One that Was Sometime a Younger Brother of the Convent, seria sucessivamente republicada (1623, 1630, 1637, 1662) e ainda republicada em 1731 e mesmo em 1916. Faz parte da literatura protestante anti-católica, que acusava freiras e frades de serem corruptos e imorais, e de as primeiras serem manipuladas pelos segundos.

Esta era a temática recorrente nesse tipo de literatura, destaca Rogério Miguel Puga, investigador em Línguas, Literaturas e Culturas da NOVA FCSH. Em artigo publicado no nº 23 da Revista de Estudos Anglo-Portugueses (pp. 77-104), de 2013, o investigador dá conta de como a Ordem de Sião reage também por escrito, refutando as acusações do autor protestante.

Passam-se quase dois séculos. Em 1809, em plena Guerra Peninsular e aquando da segunda das invasões francesas, algumas freiras regressam a Inglaterra. No ano seguinte, as religiosas que tinham permanecido em Lisboa mudam-se temporariamente para o convento do Bom Sucesso, que funcionava como hospital para militares britânicos.

Enquanto membros de uma ordem britânica, estas freiras não foram abrangidas pela extinção das ordens religiosas, de 1834. Por isso, permanecem em Lisboa até 1861. Nesse ano, as doze freiras que restavam vendem os bens da Ordem e regressam à Grã-Bretanha, mais de trezentos anos depois do exílio inicial.

Em 1864, o edifício da Rua das Inglesinhas é adquirido pelos Jesuítas, que aí instalam o Colégio de Jesus até à instauração da República. Nessa época, foi ampliado de um piso em toda a ala nordeste do corpo do refeitório. Posteriormente, instalam-se no edifício o Museu da Revolução Republicana, a Emissora Nacional e o ISEG.

Imagem: Convento das Inglesinhas em princípios do século XX (fotografia de Alberto Lima, AFL).

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