Lisboa entre muralhas – Parte II

Rodeada de muralhas, a cidade esteve protegida até ao fim da época medieval.  Toda a logística mudou com a expansão marítima e Lisboa nunca mais foi a mesma. A zona ribeirinha ficou na “moda” e emblemáticos edifícios começaram a ser construídos, como a famosa Casa dos Bicos ou a igreja da Misericórdia.

Com a expansão marítima, Lisboa começou a ganhar novos contornos e formas. O século XVI marcou o crescimento de uma cidade para fora de muralhas. O reinado de D. Manuel I marcou o impulsionamento da capital direcionada para a zona ribeirinha, onde toda a economia marítima começava a estar concentrada. Construções como estaleiros de construção naval, cais de atracamento e armazéns de mercadoria decoravam as margens do Tejo. O que estava a mais, aparentemente, eram as muralhas que rodeavam a cidade.

“O diálogo entre a cidade e o seu rio era dificultado pelas muralhas medievais que cercavam a urbe e aos poucos Lisboa foi construindo sobre elas, apropriando-se delas, derrubando-as onde foi preciso”,  escrevem Nuno Senos e Edite Alberto, investigadores do CHAM-Centro de Humanidades da NOVA FCSH, num artigo que pertence ao catálogo “Lisboa 1415 Ceuta – História de Duas cidades”. Este inventário resulta do projeto que assinalou os 600 anos da chegada portuguesa ao território africano, em 2015.

As muralhas começaram a ser derrubadas e a zona ribeirinha passou a estar na “moda”, com a transferência da família real para o Paço da Ribeira. A nova residência oficial foi mandada construir em 1500 no atual Terreiro do Paço, sítio de onde partia e regressava a Carreira da Índia. O Castelo de S. Jorge passou, assim, a ser apenas uma lembrança do passado de uma cidade rodeada de muralhas.

Os aposentos de toda a família real e os salões de receção e aparato localizavam-se entre as muralhas dionisina e fernandina. As fachadas destes edifícios estavam direcionadas para o Terreiro do Paço e para as ruas Nova dos Mercadores e da Sapataria, que se estendiam até ao rio. Nuno Senos e Edite Alberto afirmam que esta disposição conferia a estes edifícios uma vista panorâmica sobre a cidade.

Construções nas zonas mais próximas do rio ficaram registadas na história da cidade e podem, ainda hoje, ser visitadas. Um exemplo é a Casa dos Bicos, na zona mais térrea de Alfama. Hoje é um dos núcleos do Museu de Lisboa e alberga a Fundação José Saramago. Esta casa foi mandada construir por Brás de Albuquerque, filho do governador da Índia, Afonso de Albuquerque, em 1521.

Do Paço da Ribeira à edificação de outras estruturas foi um pequeno salto temporal. A Ribeira das Naus, a Alfândega, o Terreiro do Trigo e a igreja da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (atual igreja de Nossa Senhora da Conceição Velha) foram importantes edifícios do século XVI. A Misericórdia de Lisboa foi mandada construir, em 1498, pela Rainha D. Leonor, com o objetivo de organizar as ações dos religiosos lisboetas e dos bens que eram doados à irmandade.

Esta estrutura, sediada numa das capelas da Sé Catedral, era importante porque prestava ajuda médica aos mais necessitados e a entidades que carecessem de auxílio. Este conceito foi gradualmente implementado por todo o país.

Com a crescente população a habitar esta zona da cidade, formou-se o bairro Cata Que Farás, hoje Rua do Alecrim, que faz a ligação da Praça Duque de Terceira à Praça Luís de Camões. Este bairro era “organizado por loteamentos perpendiculares ao rio dispostos ao longo da rua direita do mesmo nome”, afirmam os investigadores.

A transformação de uma Lisboa fora de muralhas contempla, ainda, uma obra intemporal: o Mosteiro dos Jerónimos, em Belém. Os investigadores adotam a posição de João de Barros, escritor e cronista do século XVI, que afirmou que era por este lado da cidade que iriam entrar os bens da Índia: “a construção de uma presença ultramarina em territórios muito distantes de Lisboa revelou-se, afinal, um dos mais poderosos agentes da transformação da cidade”.

Fotografia: Terreiro do Paço na primeira metade do século XVIII. Arquivo Fotográfico de Lisboa.

Escrito por
Ana Sofia Paiva
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