E fez-se luz na noite lisboeta

A instalação de iluminação no século XIX foi pensada como uma medida de segurança comunitária, mas acabou por alargar as horas de ócio e cultura, fazendo efervescer uma nova faceta da cidade: a da Lisboa boémia.

Na segunda metade do século XVIII, enquanto a iluminação pública era instalada em Paris, Londres ou Amesterdão, como parte estratégica essencial ao desenvolvimento urbano, em Lisboa ainda não se falava em tal medida. Os estrangeiros que visitavam Lisboa estranhavam a falta de iluminação noturna, que convidava aos roubos e desorientava os poucos transeuntes, sublinha Rosa Fina, investigadora da NOVA FCSH, neste artigo (2015).

No último quartel do século XVIII,  a noite de Lisboa era ainda território de marginalidade e insegurança, vigiada pelo serviço civil dos Quadrilheiros, “homens comuns, escolhidos pela sua seriedade, para dar conta de ocorrências nas diferentes zonas da cidade”, conta a historiadora. O medo do desconhecido impedia os lisboetas de saírem, não só receosos da criminalidade, mas também dos condenados pela Igreja de atos subversivos noturnos, como as mulheres acusadas de bruxaria ou os judeus. Sair à noite significava colocar-se em perigo e, ao mesmo tempo, sob suspeita.

Em 1780, por insistência de Pina Manique, Lisboa é iluminada por lamparinas de azeite de parca profusão, pagas não pelo Estado, mas através de um imposto cobrado aos cidadãos. O preço demasiado alto do azeite e a revolta da população levam a que 12 anos mais tarde Lisboa regresse à escuridão.

Só em 1801, depois da subida do número de assaltos e assassinatos, D. Maria I decreta que seja resolvida a questão da iluminação pública e criada a Guarda Real da Polícia. A iluminação a gás chegaria apenas em 1848 – o Chiado foi a primeira zona a ser iluminada – e marcaria um passo gigante na modernização da cidade e da noite. Fomentou o aumento dos frequentadores de teatros, de soirées e de passeios noturnos. Permitiu que os rituais do dia de trabalho e da noite de descanso se reconfigurassem. Tornou a noite da Lisboa boémia mais democrática, aberta a todas as classes sociais.

Sublinha a investigadora que a iluminação da cidade foi pensada mais como uma medida de controlo e afirmação por parte da autoridade do que uma forma de tornar Lisboa mais cosmopolita. No entanto, acabou por possibilitar “a experimentação de uma liberdade individual em vez da segurança comunitária para a qual nasceu, uma realidade paralela e marginal ao dia”.

Escrito por
Dora Santos Silva

Professora do Departamento de Ciências da Comunicação da NOVA FCSH. Coordenadora editorial do +Lisboa.

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