O pioneirismo de Alfredo da Costa na saúde materno-infantil

Falta de higiene e de cuidados e condições económicas precárias fizeram com que a mortalidade infantil disparasse no final do século XIX. A solução foi criar maternidades e enfermarias dedicadas às mulheres grávidas. Virgínia Baptista, do Instituto de História Contemporânea (IHC) da NOVA FCSH, conta as histórias das primeiras maternidades do século XX.

Lisboa, final do século XIX. A mortalidade infantil era um assunto polémico e “visto como um reflexo das precárias condições de vida das populações, principalmente dos baixos salários masculinos, que levariam as mulheres casadas a trabalhar”, afirma Virgínia Baptista, investigadora do IHC, no artigo (2016) sobre as maternidades de Lisboa, Porto e Coimbra entre 1889 e 1943.

À época, as mulheres trabalhadoras em Lisboa representavam 29 por cento da população ativa e tinham entre 20 e 40 anos, o que significa que estavam em idade fértil e propícia para constituir família. Devido aos salários diminutos dos maridos, trabalhavam até à hora do parto e não eram remuneradas pelos dias em que estavam em recuperação. Como consequência, a natalidade estava a diminuir e a mortalidade infantil a atingir grandes valores no país. Era preciso atuar.

A classe médica e o poder político sabiam que estas condições tinham de ser alteradas. Manuel Vicente Alfredo da Costa, professor da Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa e médico obstetra no hospital de S. José, defendia a mudança de legislação respeitante às mulheres grávidas, como aponta Virgínia Baptista: “Urgia a legislação e a prática do descanso das mulheres trabalhadoras no final da gravidez, demonstrando-se a sua importância para o desenvolvimento do feto e o nascimento saudável dos filhos”.

Por outro lado, até aos anos 40 do século passado, era ideia comum a de que os partos deviam ser realizados em casa, onde as mulheres grávidas eram “acompanhadas, por vezes, pela parteira, pela curiosa, ou por mulheres mais experientes na ‘arte de dar à luz’”.  O médico Samuel Maia defendia esta prática com a adenda de as mulheres estarem acompanhadas por alguém que lhes prestasse o tratamento e auxílio devido. Para isto, havia uma explicação: “O nascimento deveria ocorrer no lar, o ‘santuário familiar’ adequado, evitando-se os desvios familiares dos maridos e o abandono dos filhos”, afirma a investigadora.

As enfermarias com alas para os partos e as maternidades eram, assim, o acolhimento para grávidas desprotegidas, pobres, solitárias ou com partos que podiam ser complicados, não abundando, contudo, condições de higiene nestes locais.

No século XX, as enfermarias dedicadas às mulheres grávidas e as maternidades em Lisboa começam a surgir paralelamente a uma nova especialidade: a puericultura, ou seja, o tratamento das crianças depois do parto e nos primeiros dias de vida. Idealizada pelo médico francês Adolph Pinard, foi considerado “um modelo a seguir”.

Médicos portugueses como Sebastião Cabral da Costa Sacadura, Estevão de Vasconcelos, Samuel Maia, Augusto de Almeida Monjardino e Manuel Vicente Alfredo da Costa defenderam a criação de maternidades e reivindicaram a proteção à mulher grávida e puérpera, bem como a melhoria das condições económicas.

Um passo dado para o apoio à mulher foi a introdução do decreto-lei em 1927, que exigia a existência de uma maternidade nos locais de fábricas ou estabelecimentos onde trabalhassem mais de 400 mulheres.

Com a construção de novas enfermarias e maternidades –  entre elas a Maternidade Dr. Alfredo da Costa, ainda em atividade –, a mortalidade infantil em Lisboa decresceu pouco mais de dois por cento entre 1920 e 1940, passando de 188,6 para 186,8 por cento.

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Ana Sofia Paiva
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