Restelo – um bairro que é afinal um palco de ensaios de bairros

Foi eleito o melhor bairro de Lisboa para se viver em 2012, os moradores gostam de ser associados à zona e foi um dos locais de preferência dos arquitetos para viver e trabalhar. Contudo, uma tese de doutoramento em História Contemporânea da NOVA FCSH contraria a própria denominação do Restelo como bairro.

O Restelo poderá vir no futuro a ser reconhecido pela historiografia como “um aglomerado de partes de bairros”, objeto de sucessivas operações urbanísticas por mais de 50 anos. A afirmação é de Patrícia Bento d’ Almeida que apresenta na sua tese de doutoramento em História Contemporânea da NOVA FCSH (2013), publicada em livro (Caleidoscópio, 2015), dados inéditos sobre a construção de um bairro que, para a autora, não é um bairro.

“Apesar das diversas intervenções urbanas, este lugar não deveria ser denominado de ‘bairro’, porque não tem todas as valências necessárias para ser considerado como tal e, no seu conjunto, dar qualidade de vida aos seus moradores”, justifica a investigadora. Ao contrário do bairro de Alvalade, onde foram edificados equipamentos e serviços, o Restelo não consegue ser autónomo da cidade: não foram respeitados, na íntegra, os planos elaborados e ficaram por edificar edifícios que dariam mais independência aos seus habitantes.

A primeira intervenção urbanística na zona foi na encosta da Ajuda, nos finais dos anos de 1930, fruto da vontade do engenheiro Duarte Pacheco de erguer um novo bairro habitacional numa zona limítrofe da cidade que serviria de cenário a Exposição do Mundo Português, em 1940. No entanto, salienta a autora, nenhum outro presidente da Câmara Municipal de Lisboa (CML) voltou a ter uma visão global do urbanismo da cidade.

Patrícia Bento d’ Almeida verificou também que sempre que a CML mudou o seu presidente mudou o urbanista responsável pela planificação do bairro do Restelo. O resultado foi “uma manta de retalhos bordada ao longo de várias décadas”.

Aliás, o Restelo “possibilitou um ensaio da Modernidade” ao nível do desenho urbano e projetos de habitações e equipamentos. Faria da Costa ensaiou, no final dos anos de 1930, o estilo urbanístico e arquitetónico influenciado pela Escola de Belas Artes de Paris; Falcão e Cunha e Sommer Ribeiro projetaram a cidade moderna; Zinho Antunes trouxe as grandes torres e, anos mais tarde, o plano de Nuno Portas e Teotónio Pereira procura retomar ruas e quarteirões apontados ao Tejo. A zona foi também palco de experimentação de jovens arquitetos – várias obras edificadas viriam a ser premiadas com os prémios Municipal e Valmor.

Hoje, muitas moradias foram vendidas a embaixadas ou empresas privadas, dado que a sua grande dimensão não se adequa ao modo de vida do século XXI e as novas gerações não conseguiram mantê-las.  A densificação populacional dos lugares que estão próximos do “bairro” pode resultar, segundo a investigadora, de os seus moradores aspirarem a, um dia, habitar o Restelo.

Imagem: moradia na Avenida do Restelo, s/a Créditos: CML (PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/NUN/S00074).

Escrito por
Dora Santos Silva

Professora do Departamento de Ciências da Comunicação da NOVA FCSH. Coordenadora editorial do +Lisboa.

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