Retrato do quotidiano da Casa dos Bicos do século XVI ao século XVIII

O que dizem os objetos sobre quem os usou? Um estudo arqueológico procura retratar o quotidiano doméstico e comercial da Casa dos Bicos, antes do terramoto de 1755.

Exemplares de cerâmica chinesa, cálices, garrafas de vidro (as chamadas onion bottles, devido ao formato de cebola), selos de chumbo… É longa a lista de objetos que fazem parte do espólio retirado das escavações da Casa dos Bicos nos anos de 1980 e de 2010. É a partir dele que Inês Pinto Coelho, Tiago Silva e André Teixeira, investigadores do CHAM, procuram traçar o modo de vida dos habitantes deste edifício quinhentista, num artigo (2015) que resulta do projeto de doutoramento da primeira autora, intitulado “A Casa dos Bicos: estudo arqueológico de um espaço palaciano e quotidiano na Lisboa ribeirinha (séculos XVI–XVIII)”, financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia.

“O objetivo é procurar compreender o quotidiano de quem ali residia na Época Moderna através da cultura material, isto é, dos artefactos e do contexto em que foram usados”, explica Inês Pinto Coelho, cujo projeto de doutoramento se centra no estudo arqueológico da Casa dos Bicos. Outro objetivo é integrar o edifício no urbanismo da Lisboa de então, interpretando a sua arquitetura e espaço social.

A Casa dos Bicos foi mandada construir em 1523 por Brás de Albuquerque, filho de Afonso de Albuquerque, vice-rei da Índia. E sempre foi admirada com curiosidade pela sua fachada em ponta de diamante, inspirada por uma viagem do proprietário a Ferrara, em Itália. Com a mudança de D. Manuel I do Castelo de S. Jorge para o Paço da Ribeira, os nobres acabaram por acompanhar esse movimento do poder, em direção à frente ribeirinha e é neste contexto que surge a Casa dos Bicos.

O terramoto de 1755 que abalou Lisboa fez ruir os dois pisos superiores, ficando apenas a loja e sobreloja. Foi apenas na década de 1980 que os pisos superiores foram reconstruídos, devolvendo o aspeto original à fachada. Nesta altura foram feitas grande parte das escavações arqueológicas, que antecederam as obras para albergar um núcleo da XVII Exposição Europeia de Arte, Ciência e Cultura, de 1984. Este estudo inclui também materiais provenientes de outra escavação que decorreu em 2010, quando o edifício foi adaptado para albergar a Fundação José Saramago.

Dos exemplares recolhidos nas escavações, encontram-se utensílios de cozinha em cerâmica dos finais do século XV a inícios do século XVII, faiança portuguesa da segunda metade do século XVII e, residualmente, exemplares de porcelana de pasta fina que terão sido fabricados nas oficinas de Jingdezhen, nos finais do século XV. Foram também encontradas muitas garrafas de tonalidade verde-escura (as onion bottles), que surgiram pela primeira vez em Inglaterra em meados do século XVII.

O trabalho ainda está em curso, mas há já pistas fortes em relação a certos objetos. “Os selos de chumbo possivelmente estavam ligados ao funcionamento da loja”, adianta Inês Pinto Coelho. A entrada nobre da casa seria pela Rua Afonso de Albuquerque. Contudo, num painel de azulejos do século XVIII vê-se que há uma banca junto à porta virada para o mercado da Ribeira, num sinal inequívoco da atividade comercial associada à Casa dos Bicos.

Fotografia de Paulo Guedes (Arquivo Fotográfico de Lisboa).

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