Seis Marias que fizeram nascer o Bairro da Cruz Vermelha

Um ‘engano’ e uma campanha de angariação de fundos fizeram surgir o Bairro da Cruz Vermelha, inaugurado em 1966. No centro, estão seis Marias da Secção Auxiliar Feminina da Cruz Vermelha Portuguesa, que pediram aos microfones da RTP “nem que fosse um escudo” para construir habitações a quem tinha ficado sem elas.

A 15 de Julho de 1963, um incêndio destruiu 14 barracas na Quinta da Feiteira, à Charneca do Lumiar, deixando dezenas de pessoas desalojadas. Por equívoco (ou talvez não…), uma notícia do Diário de Notícias (DN) atribuiu a responsabilidade de realojamento à Cruz Vermelha Portuguesa. Era então noticiado nesse jornal, logo dois dias depois: “Sr.ª D. Maria Margarida Fernandes Thomáz de Morais, Presidente da Secção Auxiliar Feminina da Cruz Vermelha Portuguesa, aproveitando todos os recursos disponíveis, vai abalançar-se a construir as casas, além de, na medida do possível, as mobilar e fornecer roupas de cama e de vestir“.

A Cruz Vermelha Portuguesa viu-se assim comprometida pela informação incorreta do jornal, mas não deixou de enfrentar a situação através de uma campanha nacional de angariação de fundos. A campanha foi protagonizada não só por Maria Margarida Thomáz de Morais, mas também por outras figuras de posição social elevada: Maria Carlota Saldanha Pinto Basto, Maria Ribeiro Espírito Santo Silva de Melo, Maria Teresa Assis Palha Holstein Beck, Maria Helena Monteiro de Barros Spínola e Maria Emília Moreira Sena. Eram as seis Marias da Secção Auxiliar Feminina da Cruz Vermelha. Desde logo, Sérgio Barba, administrador da Tecnical, ofereceu material e mão-de-obra. Foi assim que, inesperadamente, surgiu o projeto que esteve na génese do Bairro da Cruz Vermelha – a ser edificado na até então conhecida como Quinta da Feiteira, na freguesia do Lumiar.

Na altura, sem casas disponíveis, a Câmara Municipal de Lisboa adquiriu um terreno de seis hectares, que foi cedido a este projeto de realojamento. Em meia dúzia de meses, estavam concluídas 21 “casinhas de pedra e cal”, para 105 pessoas, noticiava o DN, a 22 de dezembro de 1963.

Após o sucesso desta “pequena cidade, sui géneris” que surgiu “na periferia de Lisboa” – como a caracterizou o jornal Novidades – as seis Marias não ficaram por aqui. Como se lê na revista Faces de Eva, numa entrevista na televisão portuguesa,“as referidas senhoras apelaram ao país para que cada um contribuísse com o que lhe fosse possível, nem que fosse apenas um escudo” (Faces de Eva, n.º 12, 2004).

Ao apelo aos microfones da RTP seguiu-se a campanha “Dez Tostões para uma Casa”, impulsionada pelo DN, após a direção da Secção Auxiliar Feminina da Cruz Vermelha Portuguesa ter pedido ajuda ao jornal para o financiamento de mais habitações. No final, o resultado foi a construção de mais de duas centenas de casas no bairro da Cruz Vermelha, também conhecido como Bairro das 6 Marias, oficialmente inaugurado 13 de dezembro de 1966, pelo Presidente da República Américo Tomás. 

As seis Marias foram homenageadas em ruas do bairro. Contudo, em 2003, com o realojamento de 144 famílias no âmbito do PER 12, acabou por perder o nome de três ruas. Permanecem a Rua Maria Margarida, a Rua Maria Carlota e a Rua Maria Alice.

Imagens: em destaque, Rua das Duas Marias, no Bairro da Cruz Vermelha, em 1970 (fotografia de João Goulart, AFL); em cima, Rua Maria Margarida, no Bairro da Cruz Vermelha, na atualidade.

Trabalho realizado por João Miguel e Margarida Marques na Unidade Curricular de Produção Jornalística, lecionada por Marisa Torres da Silva, do curso de Ciências da Comunicação da NOVA FCSH. Teve como base o dossier Toponímia no Feminino publicado na revista  Faces de Eva (1999-2008), cuja fonte principal foi o Gabinete de Estudos Olisiponenses. A distribuição da toponímia por freguesias, realizada naquele dossier, foi atualizada tendo em conta a nova divisão administrativa.

 

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