No século XIX, o marquês de Sousa Holstein, vice-inspetor da Academia de Belas Artes de Lisboa, tentou adquirir objetos de várias artes para formar um “museu central”. Entre esses objectos estava o Grande Panorama de Lisboa, um painel de azulejos com 23 metros de comprimento. Hugo Xavier, investigador da NOVA FCSH, relata o longo e curioso percurso desta obra para chegar a mais do que um destino.
Em 1875, o marquês de Sousa Holstein, um diplomata, advogado e reputado historiador de arte, partilhava num estudo sobre o ensino artístico e os museus em Portugal um projeto pioneiro museológico que tinha desenhado para Lisboa. Pretendia juntar o património artístico nacional num “museu central”, organizado em sete núcleos: pintura, desenho, gravura, escultura, arquitetura, arqueologia e arte ornamental ou industrial. Depositava grandes expetativas neste último núcleo, que considerava ser indispensável às aulas de desenho aplicadas à indústria, inspirado por modelos estrangeiros, como o do South Kensington Museu de Londres (atual Victoria & Albert Museum). Defendia também que esse museu central deveria ser o mais público possível e “aberto até de noite para cómodo da classe operária”, lê-se nesse estudo, citado no artigo (2014) de Hugo Xavier, investigador da NOVA FCSH.
É neste contexto que Sousa Holstein começa a adquirir várias obras a crédito, entre as quais o Grande Panorama de Lisboa. Este emblemático painel de azulejos, com 23 metros de comprimento, é da autoria do mestre espanhol Gabriel del Barco (1649-1703) e retrata a cidade antes do terramoto de 1755. No entanto, não foi pacífica esta aquisição, como relata o investigador em História da Arte.
O painel estava originalmente no Palácio dos Condes de Tentúgal, no Largo de Santiago, em Alfama; em 1875, um cidadão escreve ao arquiteto Possidónio da Silva, alertando-o para a iminência de esse conjunto azulejar ser transformado em revestimento de cozinhas, fruto da conversão do palácio numa casa de aluguer e da pouca atenção que se dava então ao património azulejar. Terá sido este arquiteto a convencer o marquês da pertinência da aquisição do Grande Panorama de Lisboa, pela qual este paga 600 mil reis, divididos em três prestações anuais de 200 mil reis.
O painel dá entrada na Academia de Belas Artes de Lisboa em março de 1876 para integrar o núcleo de arte ornamental que estava então a ser incrementado. No entanto, o pagamento acordado nunca chegou a ser cumprido, tal como o de tantas outras peças que estavam já à guarda da Academia. A morte prematura do marquês, em 1878, agrava esta situação, exigindo a intervenção de uma comissão do Governo.
Em 1980, a comissão conclui que nem o núcleo museológico de arte ornamental tinha sido oficialmente criado nem o marquês estava autorizado a constituí-lo ou a adquirir peças a crédito, embora o Governo tivesse conhecimento do processo desde o início.
O Grande Panorama de Lisboa, que permanecia encaixotado na Academia de Belas Artes por falta de condições do museu de arte ornamental, foi entretanto, após a dívida ter sido saldada, para o Palácio Alvor-Pombal, onde se organizou em 1884 o Museu Nacional de Belas Artes e Arqueologia (hoje Museu Nacional de Arte Antiga). Já no século XX viria a ser transferido para o Museu Nacional do Azulejo, constituindo o n.º 1 do inventário desta instituição.
Legenda da imagem: pormenor do painel patente no Museu Nacional do Azulejo. Fotografia de Hugo Carriço.