Teatros, jornais e até revistas à portuguesa: nada escapava à censura do Estado Novo. Em plena década de 60 do século passado, nem todas as peças de teatro subiam ao palco e nem todos os filmes passavam na RTP. A censura estava na sua época áurea.
A cortina abre-se e a censura começa. No plano de fundo, a década de 1960. A Comissão de Censura assiste à mudança de presidente, quando Eurico Serra é substituído por Quesada Pastor. Em 1959, a lei que gere a censura é homologada e “promulga a reforma do regime jurídico dos espetáculos e divertimentos públicos”, escreve Ana Cabrera, enquanto investigadora do Centro de Investigação em Comunicação, Informação e Cultura Digital (CIC.Digital) da NOVA FCSH, na comunicação (2013) sobre a censura na obra do espanhol Tirso de Molina, Las Quinas de Portugal.
O ambiente que se vivia em Portugal e na sua capital era de repressão e a Comissão de Censura estava em consonância com o regime. Mas de todos os instrumentos culturais “o teatro foi penalizado com uma censura muita mais violenta e sistemática”, aponta a investigadora. Isto porque os espetáculos “eram sujeitos à censura prévia” e o trabalho dos censores era ler as obras e, consonante o seu caráter, aprová-las ou não, ou ainda aprová-las com cortes.
A peça “Menina Júlia”, do dramaturgo sueco Alfred Strindberg e encenada pela companhia Amélia Rey Colaço – Robles Monteiro, do teatro D. Maria II, foi alvo de censura por Caetano Carvalho, vogal da Comissão de Censura. O mesmo referiu que a Comissão tinha algumas dificuldades em fiscalizar a peça a partir do texto escrito. Quesada Pastor decidiu, assim, que os vogais deviam assistir às peças “pois são quem melhor as pode fiscalizar”. Mas o escrutínio era ainda maior: os censores assistiam ao ensaio geral, para se certificarem de que os encenadores e atores respeitavam os cortes feitos e que “não tinham dado outros sentidos ao texto, como forma de contornar as proibições da censura”.
A revista à portuguesa também foi sujeita à censura. Quesada Pastor exigiu mesmo que um determinado número de vogais se especializasse neste género, aponta a investigadora. É neste ato que os jornais começam a conhecer, também eles, a monotorização da censura quanto à publicação de críticas sobre as peças de teatro e referências a filmes de que seriam proibidos pela censura.
Contudo, escreve a investigadora, existiam jornais lisboetas que a censura não conseguia controlar: “os atores, encenadores e empresários reagiram com várias formas de pressão, patentes nas fugas de informação que apareciam nos jornais, nomeadamente no Diário Popular e no Diário de Lisboa”.
Até 1968, a Comissão de Censura liderada por Quesada Pastor exerceu uma dura aplicação de critérios, em “obediência a princípios ideológicos” e à “proibição de todas as peças que evocassem a guerra e os seus malefícios, bem como todas as que tivessem intenções pacifistas”. Exemplo disso são os problemas que a Comissão de Censura começa a levantar devido à tradução de determinadas peças, como Shakespeare.
Devido à guerra colonial que marcava a década de 1960, palavras como “guerra” são proibidas nas peças. Em 1968, a censura não quis que a obra do espanhol Tirso de Molina, Las Quinas de Portugal, fosse transmitida pela RTP, porque nesse ano, “altura em que esta peça é proibida, estava já bem delimitada a força, o poder e a organização bélica do PAIGC, o que significa que a guerra na Guiné estava perdida”, refere a investigadora.
A aproximação com a realidade na questão da guerra e a atmosfera vivida com Espanha à época ditou o fim desta peça: “Não era por isso bem-vinda a apresentação em televisão, de uma peça de um clássico espanhol que, de forma cómica e provocatória, se referia e agitava, de uma só vez, a independência de Portugal, a questão colonial e os heróis da história nacional do Estado Novo”.
Fotografia: Teatro D. Maria II, no Rossio. Arquivo Fotográfico de Lisboa.