Rafael Bordalo Pinheiro ilustrou, Artur Cruz Magalhães colecionou e o Museu nasceu. A casa que fica no número 382 da Rua Oriental do Campo Grande é a primeira a ser idealizada e construída de raiz para albergar um museu lisboeta. E mais de três mil obras de Bordalo Pinheiro foram eleitas para aí serem expostas.
Artur Cruz Magalhães apenas falou uma vez com Rafael Bordalo Pinheiro para lhe fazer uma encomenda da Fábrica das Caldas da Rainha, mas a admiração pela sua obra era imensa. O poeta e panfletário republicano viveu 64 anos (1864-1928) e atravessou três regimes: o final da Monarquia, a Primeira República e o início do Estado Novo. Neste espaço temporal, entre outras aspetos, dedicou-se à idealização e à construção de um museu dedicado à obra bordaliana e que viria a merecer o Prémio Valmor.
A fervilhar de influências da sociedade portuguesa, Cruz Magalhães começou a coleção das obras de Bordalo em 1865 e escreveu três livros dedicados ao ilustrador. Em 1913, o poeta encomendou a construção do número 382 na Rua Oriental, no Campo Grande, ao arquiteto Álvaro Machado. Tinha duas intenções: “Ao mandar projectar a sua pitoresca casa, o coleccionador perspectivava não só vir a dispor a sua colheita bordaliana em espaços interiores, mas também vir a formar uma ala feminina para uma escola primária e residência da respectiva professora, acalentando o seu espírito filantrópico”, escreve Margarida da Palma Teixeira, na dissertação de mestrado (2016) em Museologia da NOVA FCSH.
A intenção da ala feminina nunca se concretizou, mas “a colecção bordaliana encontrou um espaço de conservação, exposição, estudo e aumento na casa que o coleccionador mandou projectar”, refere a autora. O positivismo do ilustrador e o descontentamento face à sociedade – refletido numa das obras mais emblemáticas, o “Zé Povinho” – contribuíram ainda mais para a admiração de Cruz Magalhães, que “fabricou” a ideia de um Bordalo Pinheiro patriótico.
Uma parte das obras foi adquirida pelo poeta e as restantes foram doações de familiares, entre elas as dos próprios filhos de Bordalo Pinheiro, e até de Manuel de Arriaga, antigo Presidente da República. O Museu Rafael Bordalo Pinheiro abriu as portas em 1916 com quatro salas de exposição. Mais tarde, em 1920 “amigos pessoais do coleccionador, admiradores, estudiosos e familiares de Rafael Bordalo Pinheiro formaram o Grupo dos Amigos- Defensores do Museu, associação que desempenhou desde o seu início importantes acções de defesa e divulgação da obra bordaliana e do seu museu”. Este grupo foi decisivo para tornar o museu acessível à população.
Em 1924 – e depois de vários contratempos – Cruz Magalhães doou o museu à Câmara Municipal de Lisboa, doação que incluiu o “edifício, terrenos anexos e coleção monográfica”. A coleção bordaliana passa para o domínio camarário com 1462 originais, 2823 reproduções, 523 referências documentais e 201 peças de cerâmica. Não só as obras são importantes: todo o espólio contribuiu para um estudo mais alargado da vida e obra de Rafael Bordalo Pinheiro.
Fotografia: Museu Rafael Bordalo Pinheiro. Créditos: EGEAC.