Durante a II Guerra Mundial, Lisboa acolheu milhares de refugiados de passagem para apanhar o barco que os levaria ao destino final. Alfred Döblin, escritor alemão de origem judaica, também passou pela capital, que descreveu como a “boia de salvação” no seu diário de viagem.
O título corresponde a um excerto do diálogo entre o Capitão Renault e Rick Blaine, no filme Casablanca, e faz jus ao papel de Lisboa durante a II Guerra Mundial: porto neutral de passagem para a América. O escritor alemão Alfred Döblin, em fuga ao nazismo, passou quatro semanas na Pensão Glória (Rua dos Fanqueiros) com a mulher e o filho, enquanto esperava pelo barco rumo à América, no verão de 1940. O percurso é descrito na sua obra Viagem ao Destino.
“Foi assim, com luz, música e risos que Lisboa nos acolheu.” Esta é uma das passagens da obra de Döblin recuperadas por Nuno Ivo, jornalista e licenciado em História pela NOVA FCSH, que analisa a descrição que o escritor faz da cidade em “Amerika, Amerika”, um dos capítulos do livro “Lisboa nas narrativas: olhares do exterior sobre a cidade antiga e contemporânea” (2012), publicado pelo IELT, no âmbito do projeto de investigação “Atlas das Paisagens Literárias”.
Ao contrário dos ecos pouco agradáveis que tinham chegado a Döblin – que em Lisboa já viviam milhares de refugiados e que a polícia enxotava os recém-chegados –, ele e a sua família foram recebidos com naturalidade. Se, a princípio, os refugiados se sentiam sós, rapidamente faziam amigos. As tardes eram passadas nos “cafés frescos”. À noite, a partir das nove, impunha-se “um passeio quase sempre pela Avenida da Liberdade, um imponente boulevard, amplo e comprido, onde há cinema, música”, descreve Döblin.
A Estação Central dos Correios no Terreiro do Paço era o centro da vida de quem esperava o barco: sem morada fixa, era lá que recebiam a correspondência. ”Ali estávamos em Lisboa à espera da boia de salvação que nos havia de ser lançada do outro lado do oceano.”
No dia 5 de Setembro de 1940, Döblin apanha o barco para América. A caminho do Tejo, ainda passa pela Exposição do Mundo Português: “A exposição do centenário resplandecia como num conto de fadas à nossa passagem. A sua mágica luminosidade foi a última imagem que tivemos da Europa, envolta em luto”.
Imagem: crianças refugiadas em trânsito para apanhar o barco (19 de agosto de 1941); coleção Sousa Mendes.