Com apenas 17 anos assumiu responsabilidades na fundação do Museu Rafael Bordalo Pinheiro e já negociava peças de arte. Julieta tornou-se historiadora e crítica de arte e organizou as mais importantes exposições na capital no século XX. Uma vida dedicada à arte e à escrita, eternizada numa rua lisboeta.
Julieta Bárbara Ferrão nasceu na viragem para o século XX, em 1899, e viveu até 1974, o ano da Revolução dos Cravos. Dedicou toda a vida à arte e aos museus. “Constitui uma figura indispensável não só na história do Museu Rafael Bordalo Pinheiro, mas também dos restantes Museus Municipais de Lisboa, de que veio a ocupar, ao longo da primeira metade do século XX, o cargo de Conservadora-Chefe até à sua reforma, em 1969”, afirma Margarida da Palma Teixeira, na dissertação de mestrado (2016) em Museologia da NOVA FCSH.
Natural de Lisboa, a historiadora e crítica de arte era afilhada e sobrinha por afinidade de Artur Cruz Magalhães, poeta responsável pela criação do Museu Rafael Bordalo Pinheiro. Durante o seu percurso profissional envolveu-se na organização de várias exposições sobre Lisboa, entre elas Santo António de Lisboa”, em 1935, “Aqueduto das Águas Livres”, em 1940, e “Lisboa Joanina”, em 1950, a propósito das comemorações dos 200 anos da morte do rei D. João V.
Com apenas 17 anos, Julieta começou a ganhar notoriedade: “Esta mulher constituiu um ingrediente incontornável nos primeiros anos de existência do Museu Rafael Bordalo Pinheiro”, aponta a autora. A destreza, juventude e simpatia de Julieta, refere Margarida da Palma Teixeira, alcançavam objetivos que Cruz Magalhães não conseguia, nomeadamente na captação de determinadas peças para a sua coleção.
Única mulher em diversas situações, foi em 1920 – quatro anos depois da abertura do Museu Rafael Bordalo Pinheiro ao público – que se tornou secretária da entidade, ao mesmo tempo que pertencia ao Grupo dos Amigos-Defensores do Museu. Julieta era a única mulher entre homens quando substituía o padrinho na presidência das reuniões do grupo. Publicou a primeira obra em 1922, Monografia do Museu Rafael Bordalo Pinheiro, considerada “uma das fontes fundamentais do e sobre o Museu”.
No final da obra, a secretária do museu utilizou as vozes transcritas de visitantes e contemporâneos de Cruz Magalhães para ilustrar a importância da obra bordaliana. Encontram-se aí os depoimentos de Sebastião Magalhães Lima, amigo de Cruz Magalhães, Ana de Castro Osório, João Saavedra Machado e de personalidades internacionais.
Julieta Ferrão trabalhou na internacionalização do museu, com o envio de peças originais bordalianas para a Exposição Internacional do Rio de Janeiro, no Centenário da Independência do Brasil, em 1922. Dois anos depois, publicou uma obra a fim de comemorar o nascimento de Bordalo Pinheiro. A historiadora traça no livro Rafael Bordalo e a Crítica, “uma definição de Caricatura no quadro das suas potencialidades artísticas e da sua missão política e social”.
Um ano antes da morte do seu padrinho, assumiu, em 1927, o cargo de diretora-conservadora do museu. Escreveu várias outras obras sobre Bordalo Pinheiro, registou o aumento de visitas ao museu e modernizou as salas de exposição. A contribuição de Julieta Ferrão foi importante, não só para o primeiro museu criado de raíz em Lisboa, como para o panorama museológico da cidade na primeira metade do século XX.
A historiadora e crítica de arte ainda colaborou também com alguns jornais, entre eles Diário de Notícias, O Século, Modas e Bordados e Jornal da Mocidade Feminina. Por toda a entrega e trabalho recebeu, em 1964, a medalha de ouro pelos 40 anos de serviço à Câmara Municipal de Lisboa, em conjunto com 16 funcionários. Quatro anos após a sua morte, em 1978, o seu nome ficou eternizado numa rua na freguesia das Avenidas Novas, em Lisboa.
Fotografia: Julieta Bárbara Ferrão em 1952, na inauguração da exposição sobre D. João da Câmara. Créditos: Toponímia de Lisboa