Lisboa, a cidade que (quase) conquistou Hollywood – Parte II

Nos anos de 1940, a capital portuguesa teve forte presença em filmes norte-americanos, mas nem sempre de maneira assertiva. Rui Lopes, investigador do Instituto de História Contemporânea (IHC), analisa dois filmes que revelam o que as produtoras de Hollywood pensavam de Lisboa e do país.

A década de 40 do século passado foi sinónimo de projeção de Portugal no cinema de Hollywood, com especial atenção para a capital e arredores. A trama tinha sempre enfoque na Segunda Guerra Mundial e em especial em casos de espionagem, romance e refugiados. Apesar de Lisboa estar referida nestas produções, alguns filmes acabaram por nunca sair do projeto ou os seus guiões sofreram grandes alterações.

Os filmes The Gamblers (1942) e The Conspirators (1944) são dois exemplos da imagem que os produtores tinham de Lisboa, analisa Rui Lopes, investigador no Instituto de História Contemporânea (IHC) da NOVA FCSH, no artigo (2019) intitulado Jogo e conspiração em Hollywood: o Portugal que não foi.

 The Gamblers ou Os Jogadores é um enredo sobre três alemães que viajam até Lisboa com a missão de persuadir elites portuguesas a investirem na “construção de bases para submarinos alemães nos Açores e em Cabo Verde”, descreve o investigador. O argumento foi escrito por Samuel Guy Endore para a produtora Warner Brothers e a neutralidade de Portugal foi a linha condutora de todo o enredo.

O filme nunca chegou às salas de cinemas. A avaliação por parte do Office of War Information (OWI), departamento de propaganda de guerra dos EUA, foi negativa em relação ao projeto. Uma das razões passava por mencionar aspetos que colocavam em causa a imagem do país e da sua neutralidade em relação à guerra.

O enredo procurava mostrar os benefícios dessas elites se apoiassem a Alemanha, por um lado, e a fragilidade do país caso fosse alvo de um ataque militar nazi, por outro. Numa das cenas do filme, aponta Rui Lopes, os três alemães oferecem um banquete aos mais poderosos de Lisboa, de maneira a persuadi-los para a causa nazi. A personagem do Conde de Veda é a única que duvida da “oferta da partilha de poder” de Hitler.

Lisboa é retratada como incapaz de lidar com a questão dos refugiados. As autoridades, por sua vez, são representadas como fracas e insuficientes para assegurar a neutralidade do país. É ainda evocado o passado glorioso do império português e, no projeto, é pedido para que sejam usadas imagens que provem isso mesmo, entre elas a Praça Luís de Camões, para assinalar que o “maior poeta português escreveu sobre as viagens de Vasco de Gama”.

The Conspirators (1943) ou Os Conspiradores tinha como intenção repetir o sucesso de Casablanca (1942). O romance de Frederic Prokosch, comprado pela Warner Brothers, foi inspirado na estadia de dois anos do escritor no Hotel Palácio do Estoril.

Lisboa e a Linha do Estoril foram os cenários da trama que retratou “o percurso de um resistente antinazi holandês, Vincent Van der Lyn, até assassinar o agente alemão Hugo von Mohr”, conta o investigador. No livro onde o filme se baseou, von Mohr tinha-o acusado de espionagem às autoridades portuguesas. Tudo por causa do amor da mesma mulher.

A fórmula de Casablanca estava lançada. Porém, a cidade, no romance de Prokosch, era retratada de forma taciturna, com descrições extensas e personagens secundárias ambíguas.  Lisboa era apontada como “opressiva e decadente”, facilmente manipulável para fins bélicos. O regime era retratado de forma autoritária na prisão da personagem de Vincent, em Alfama. Rui Lopes refere que esta prisão foi possivelmente inspirada na cadeia do Aljube.

O guião acabou por ser reformulado várias vezes obscurecendo a imagem frágil e vulnerável que passava da cidade. Assim, na produção do filme, o regime acaba por não ser encarado como repressivo e a cidade é vista como “um ambiente sumptuoso”. Evita-se que “a ânsia de partir, expressa brevemente pelos refugiados, ponha em causa o contraste central entre uma Europa destruída pela guerra e uma Lisboa onde ainda há lugar para luxo e diversão”, explica Rui Lopes.

Tal como aconteceu em The Gamblers, as referências ao passado de Portugal pedem presença no filme. A mais flagrante é assinalada no Café Império, na Alameda Almirante Reis. Contudo, a OWI recomendou que o filme não fosse exibido em Portugal. Considerava que existia a possibilidade de os espectadores se ofenderem com a descrição da neutralidade do país.

O filme estreado nos cinemas norte-americanos a 20 de outubro de 1944 conquistou o público e recebeu a antipatia da crítica. Lisboa afirmava-se como um espaço de romance e de espionagem.  Nas décadas seguintes, seria projetada em Hollywood como uma cidade luxuosa e requintada, caraterizada pelo fado, pelos petiscos,  pelos “pescadores amigáveis” e pelos “inspetores cúmplices com os protagonistas”. A ideia de uma cidade miserável e repressiva tinha sido deixada de parte, mesmo depois do fim do OWI e de a Segunda Guerra Mundial ter terminado.

Fotografia: Hedy Lamarr e Paul Henreid, protagonistas no filme The Conspirators (1944). Frame retirado do website IMDb.

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Ana Sofia Paiva
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