Os acordes que ajudaram a Primeira República

O movimento filarmónico em Lisboa foi considerado a “arte do século XIX” devido ao seu cariz associativo e político. Uma tese de doutoramento em Ciências Musicais da NOVA FCSH revela o impacto que as bandas filarmónicas tiveram no nascimento da Primeira República.

Podiam contar-se pelas dezenas: no final do século XIX, eram 48 as bandas filarmónicas que musicavam em Lisboa. A maioria estava concentrada nos então concelhos dos Olivais e de Belém, bem como em bairros orientais e ocidentais da cidade. O seu nascimento está intimamente relacionado com a crise que se viveu na década de 1890.  

Nessa altura, Lisboa começa a receber a população das áreas rurais que rumavam à cidade à procura de emprego.  Nas recentes indústrias implementadas na periferia da cidade, surgiram movimentos associativos que descobriram na música uma forma de expressão. Pedro Alexandre de Sousa, na tese de doutoramento (2014) em Ciências Musicais da NOVA FCSH, aponta que “a mudança na sociedade portuguesa no final do século XIX não pode ser compreendida sem considerar a relação da música com a sociedade”  pois “a música foi realmente a arte do século XIX”.

Portugal vivia uma época pouco favorável aos partidos monárquicos. A rotação dos únicos dois partidos no poder (o partido Regenerador e o partido Progressista) criava uma oportunidade para os republicanos. Através da música, as ideias republicanas ganhavam forma. Até 1910, muitas bandas filarmónicas foram apadrinhadas e outras foram fundadas com a bênção dos políticos republicanos, o que cativou a simpatia dos operários.

Este movimento foi tão importante na sociedade que as bandas filarmónicas começaram a integrar os festejos do primeiro de maio. Esta ação desencadeou a popularização do hino da data nas várias bandas lisboetas, além da fundação de outras alusivas à efeméride. São exemplo a Filarmónica Independente 1º de Maio, fundada em 1898, e a Associação Instrutiva Musical 1º de Maio, em 1903, aponta o autor.

Curiosamente, esta foi a época da fundação das bandas filarmónicas no seio das próprias fábricas. Pedro Alexandre de Sousa aponta que, na Europa o modelo de organização era  “empresas com a sua própria banda de música”. O autor dá o exemplo d’ “A banda dos Arsenalistas”, constituída por empregados do arsenal do Exército de Lisboa e fundada em 1894.

Outro exemplo é o da fábrica de João de Brito, fundada em 1843, que se localizava no antigo convento de Xabregas. Esta fábrica “desenvolveu uma importante obra social no Beato”, porque o empresário não só permitiu a constituição de uma banda filarmónica pertencente à empresa, como mandou construir uma escola primária, casas para os operários e uma associação de beneficência.

Em 1910, o movimento filarmónico estava no auge e atravessava uma época fervilhante. Contudo, após a implementação da República, instalou-se no país um período marcado por  dificuldades económicas e que coincidiu com o início da Primeira Guerra Mundial. Estes acontecimentos ditaram o fim a muitas bandas filarmónicas em Lisboa.

Fotografia: Banda de música da Infantaria 5, 1900. Arquivo Fotográfico de Lisboa

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Ana Sofia Paiva
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