Transformismo numa discoteca de Lisboa: loucura ou cultura?

O Finalmente Club, inaugurado em 1976, é ainda hoje o único espaço em Lisboa com espetáculos de transformismo 365 dias por ano. Ex-libris desta prática artística na capital, foi também responsável, juntamente com outros estabelecimentos, como o Trumps e o Bric, pela criação do “roteiro gay” de Lisboa, situando-o no Príncipe Real. Investigador da NOVA FCSH faz uma análise etnomusicológica dos seus espectáculos.

Podem chamar loucura, mas achamos que o que fazemos é cultura”, afirmou Fernando Santos (de nome artístico “Deborah Krystal”), diretor artístico e transformista no Finalmente Club, a Marco Roque de Freitas, no âmbito da sua tese de mestrado em Ciências Musicais (2013) da NOVA FCSH. Este investigador analisou a performance do transformismo apresentada neste espaço no verão de 2013, alicerçado num enquadramento histórico dos últimos 40 anos, numa relação entre a música, o género e a sexualidade. Focou-se também nos processos de sociabilização – “engates” – promovidos entre os clientes deste espaço.

A citação resume o desejo de os transformistas voltarem a ser bem vistos pelo público e a crítica – como atores e não pessoas “com problemas identitários”.

No contexto do pós-25 de abril de 1974, o transformismo deixou de estar confinado ao Carnaval, ao teatro e às festas privadas, institucionalizando-se enquanto espetáculo público. O Scarllaty Club, na Rua de São Marçal, foi a primeira casa de transformismo a abrir portas em 1975. Seguiu-se, entre outros, o Finalmente Club, em 1976. No entanto, a partir da segunda metade da década de 1980, os transformistas, até então bem vistos, começaram a ser recriminados e equiparados aos “travestis de rua”, fruto de estigmas relacionados com o VIH e a homossexualidade.

Com o objetivo de mudar a opinião pública em geral, os transformistas do Finalmente Club seguem um conjunto de regras com vista a criarem espetáculos estruturados. Vêem-se, acima de tudo, como artistas que sobem ao palco para interpretar uma personagem que nada tem a ver com a sua sexualidade no dia-a-dia. Três anos após a escrita desta tese, numa altura em que se celebra o quadragésimo aniversário do Finalmente Club, afirma hoje o investigador que o transformismo em Lisboa voltou a ser reconhecido como espetáculo de “qualidade” em que a “loucura” parece ter sido reconhecida, por fim, como cultura”.

Legenda da imagem: cartaz do Finalmente Club por ocasião da celebração dos 40 anos deste espaço.

Escrito por
Dora Santos Silva

Professora do Departamento de Ciências da Comunicação da NOVA FCSH. Coordenadora editorial do +Lisboa.

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