Em 1902, o Teatro da Avenida acolheu Tição Negro, farsa lírica inspirada em Gil Vicente, no ano em que se celebravam 400 anos de O Auto da Visitação. Foi considerada pela crítica da época a primeira opereta portuguesa.
Hoje, quem percorre a Avenida da Liberdade já não encontra sinais do Teatro da Avenida, entre os números 144 e 146. Um fogo reduziu-o a escombros nos finais de 1967 e nunca mais voltaria a abrir portas. Inaugurado em fevereiro de 1888, foi uma sala de espetáculos de inspiração francesa na nova zona de animação da cidade.
A moderna via, inaugurada em 1886 ainda antes de estar concluída, atravessava o Passeio Público, na continuação da praça dos Restauradores. Tratava-se de uma zona onde se concentravam diversos espaços de lazer. O repertório do Teatro da Avenida, no qual cabiam géneros como a a ópera cómica, a revista, a comédia musical ou a opereta, inspirava uma atmosfera especial para artistas, produtores e espectadores.
Tição Negro, de Augusto Machado, motivou grande interesse. “A crítica da época apelidou-a de primeira opereta portuguesa e identificou-a como uma tentativa de ressurgimento do teatro nacional”, explica Luísa Gomes na sua tese de mestrado em Ciências Musicais (2012) da NOVA FCSH.
A investigadora do CESEM quis perceber por que razão Augusto Machado, um compositor consagrado da ópera, se dedicou também à opereta. “É um género operático caracterizado pelo caráter mais ligeiro, não só no que concerne aos enredos e textos dramáticos mas também em termos da estrutura musical e elaboração da escrita vocal”, esclarece.
Já antes tinha havido incursões na ópera cómica e burlesca, mas foi a partir do final da década de 1860, com a estreia em Portugal das operetas de Jacques Offenbach, que o género se afirmou. Os libretos começaram por ser “adaptações dos enredos criados pelos dramaturgos franceses e, em alguns casos, apenas traduções do francês para a língua local”. Contudo, “depois de três décadas de operetas nos teatros secundários de Lisboa e Porto, pode falar-se de apropriação do género pelos compositores portugueses”, assinala Luísa Gomes.
A investigadora procurou também perceber as razões do sucesso de Tição Negro. “Em suma, trata-se de uma obra original de um compositor português com libreto cantado em língua portuguesa e inspirado em temas da obra de Gil Vicente”, conclui.
O compositor Augusto Machado contou com a colaboração de Henrique Lopes de Mendonça na escrita do libreto, o que pode também ter contribuído para o seu êxito. Era um nome sonante no meio teatral lisboeta da altura, também por ser o autor de “A Portuguesa”, que viria a ser o hino nacional.