Entre as grandes empreitadas pós-terramoto, o projeto foi pensado ao pormenor, como pode ver-se em desenhos inéditos da frontaria.
São desenhos de dimensões incomuns, com quase quatro metros cada, descobertos na Academia de Ciências de Lisboa. Mas são os pormenores artísticos que mais chamaram a atenção de Hélder Carita, investigador do Instituto de História da Arte da NOVA FCSH. “O invulgar nível estético destes desenhos, sem paralelo na produção da época, em Portugal, remete-nos para uma reflexão sobre a qualidade do ensino da arquitectura e para as elevadas capacidades desenvolvidas pelos arquitectos da casa real”, lê-se neste artigo (2014).
Os documentos mostram duas propostas distintas para o alçado principal do palácio real que se pensava construir em Campo de Ourique. Em ambos os casos, segundo o investigador, há um modelo de palácio real que persiste, já patente no Palácio Nacional de Mafra e que será mais tarde seguido no Palácio Nacional da Ajuda. Essa aproximação é visível pelo corpo central saliente da fachada, ladeado por dois torreões.
Mas o que lhe merece um destaque particular é perceber como estas propostas se demarcam do rigor e depuramento da chamada arquitetura pombalina. “As opções de desenho destes dois alçados, com uma estética de forte influência francesa e rocaille, abrem novos horizontes sobre o universo estético dos arquitectos da Casa do Risco [como ficou conhecido o gabinete de trabalho da reconstrução pós-terramoto que reunia engenheiros e arquitetos] e da produção pombalina.”
Estes desenhos, a tinta-da-china e aguarela, são “um raro testemunho do chamado ‘desenho de arquitetura’”, de acordo com o autor. E é precisamente a sua qualidade que leva Hélder Carita a questionar a assinatura que é visível num deles: “Cap. Dionizio S. Dionizio, 1760”. “Face à qualidade estética dos projetos, não podemos deixar de nos interrogar perante a sua autoria, uma figura de capitão engenheiro, que, embora entre os anos de 1758 -1760 tenha assumido a difícil tarefa de comando dos presos ocupados nas demolições e desentulho da cidade arruinada, não consta da lista de projetistas que participaram nas grandes obras de urbanismo e arquitetura realizadas para a reconstrução da cidade de Lisboa.”
Em contrapartida, parece não haver dúvidas de que os desenhos foram concebidos para uma apresentação na corte, com a presença de D. José I e dos mais altos funcionários régios. Daí os trabalhos de investigação em curso poderem vir a revelar novos dados sobre a autoria dos dois alçados.
O Palácio Real de Campo de Ourique nunca passaria do papel. Entre as grandes obras de renovação da cidade depois do terramoto de 1755, acabaria por vingar o projeto do Palácio Nacional da Ajuda.
Imagem: Alçado de Palácio Real a construir em Campo de Ourique. Assinado Cap. Dionizio S. Dionizio, 1760. Desenho a tinta-da-china, com aguada. Dims; 3840mm × 640mm Academia das Ciências de Lisboa. Retirado daqui.