Para o estudo dos céus, travou-se durante mais de um século uma “guerra das estrelas” entre académicos e governos. O Observatório Astronómico de Lisboa, na Ajuda, resistiu ao tempo e estudou o espaço sideral. O conhecimento atrasava-se por o país não participar no maior projeto astronómico do século XIX.
Olhar cientificamente para as estrelas em Lisboa é hoje possível, mas não sem antes o país ter estado atrasado em relação a outros países, desde o século XIX a meados do século XX. As ciências, particularmente a Astronomia, estavam em segundo plano nos três regimes – Monarquia, Primeira República e Estado Novo. Contudo, cientistas lutaram para surgissem instituições destinadas à observação das estrelas e do espaço sideral.
“Trata-se de uma falha no desenvolvimento da ciência em Portugal, tão denunciada por tantos intervenientes destes tempos” afirma António Mota de Aguiar, na tese de doutoramento (2009) sobre os 100 anos de Astronomia em Portugal, de 1850 a 1950. Um dos principais observatórios portugueses destinados ao estudo do espaço foi o Real Observatório da Tapada da Ajuda. Hoje é conhecido como o Observatório Astronómico de Lisboa (OAL) e dedica-se a estudar o espaço sideral.
No início, era preciso saber quanto tempo o tempo tem. E era neste tema que o OAL se debruçava para determinar com precisão a hora, aspecto tão relevante para os físicos. “O serviço da hora era naquele tempo tão importante que se construíram observatórios astronómicos nas colónias africanas portugueses, como os de Lourenço Marques e de Luanda, que fizeram esse serviço”, exemplifica o autor. Ainda hoje pode acertar o seu relógio através do website do OAL. Mandado construir em 1861, ficou pronto em 1867 mas apenas foi reconhecido pela Carta Lei de 6 de maio de 1878.
Filipe Folque, astrónomo do século XIX, foi o grande impulsionador deste observatório, conta o investigador: “Pelo esforço que empenhou na recuperação do Observatório da Marinha e na criação do Observatório da Tapada da Ajuda, pelos conhecimentos que colocou como professor ao serviço da astronomia, vemo-lo como o grande impulsionador da astronomia em Portugal neste quarto de século XIX”, escreve. O primeiro diretor do OAL, até à sua morte, foi Frederico Augusto Oom, sucedido por César Augusto de Campos Rodrigues, considerado o maior astrónomo do final do século XIX.
Com uma história tão brilhante e “com condições geográficas tão profícuas à astronomia e um Observatório de primeira qualidade, que custou ao erário do Estado português verbas elevadas, era de esperar que tivesse tido uma boa utilização nas décadas seguintes”. Mas tal não aconteceu. Portugal não entrou no maior projeto astronómico europeu e continuou cientificamente atrasado.
Carte du Ciel: o projeto que ficou a anos-luz do OAL
Em 1885, os irmãos e astrónomos Paul e Prosper Henry inovaram no modo de estudar o céu com maior precisão: as várias partes do céu captadas por uma chapa fotográfica eram depois registadas num catálogo estelar. Com todo o entusiasmo a girar à volta desta invenção, o almirante Amédée Mouchez organizou uma conferência internacional em Paris para a qual convidou vários cientistas e diretores de Observatórios. No total, 58 membros estiveram reunidos na capital francesa, incluindo Portugal.
O projeto Carte du Ciel “dividiu” o céu para 18 participantes o observarem e para, entre si, partilharem os conhecimentos astronómicos da observação e registo estelar: “Todos eles passaram a trabalhar com enormes catálogos do céu onde estavam recenseadas milhares de estrelas e, por essa via da astrofotografia, avançaram para estudos da astrofísica mais sofisticados”.
Portugal não entrou neste projeto e a razão, aponta António de Mota Aguiar, prendeu-se com a falta de dinheiro do reino. Em 1887, o país não tinha posses para modernizar os equipamentos, tal como viria a suceder na Primeira República.
Nas primeiras décadas do século XX registaram-se grandes dificuldades, com a falta de trabalhadores técnicos e de recursos no OAL, então sob a direção de Frederico Oom, filho do primeiro diretor. As qualidades dos estudos astronómicos mostravam melhorias, mas ainda sem comparação aos trabalhos internacionais.
Com o Estado Novo, vários cientistas seriam perseguidos por apostarem no progresso científico. Até 1950, “os estudos de astronomia em Portugal estavam imensamente atrasados e nada apontava nesse momento para um melhoramento nesse sector da ciência”, refere o investigador.
Fotografia: Observatório Astronómico de Lisboa. Créditos: OAL