Quando o Lobo se tornou protagonista de um crime em Lisboa

Como é que um criminoso ganha o estatuto de lenda? Uma investigadora estudou, entre outros casos, o de Francisco de Mattos Lobo, imortalizado pela literatura e imprensa do século XIX por ter assassinado três pessoas na capital.

A história começa da forma clássica: rapaz conhece rapariga. Francisco de Mattos Lobo conheceu a sua prima Adelaide no Alentejo, durante os seus anos de juventude e desde então se enamorou dela. No entanto, apenas a voltou a encontrar anos mais tarde, em Lisboa. Após uma educação escolar em retórica, filosofia e ética, o jovem, nascido em 1814, esteve envolvido na política local e chegou mesmo a ser chamado “porta-voz do povo de Gavião”, mas mudou-se para a Rua de São Bento, na capital, por incompatibilidade com o poder local daquela localidade alentejana.  Aproveitou esta nova proximidade para começar visitar a parente, que agora tinha dois filhos e era viúva de um pianista, e deu-se início a uma relação sentimental tempestuosa.

Como é explicado na tese de doutoramento em Estudos Portugueses de Graça Maria Pacheco, que analisou a vulgarização de criminosos na narrativa de divulgação, foram duas as personagens que despoletaram o crime: o francês Saint Martin e o médico Soares de Albergaria, frequentes convidados nos serões de Adelaide. Lobo não se continha nas mostras do desagrado que sentia em relação a estes dois homens abastados, tendo muitas vezes “reações ciumentas”. Foi este sentimento de posse que levou Lobo, no meio de uma destas discussões, a matar Adelaide, um dos seus filhos e a criada de casa, na noite de 25 de julho de 1841. Apenas escapou a filha mais velha, que foi ferida, mas, por um golpe de sorte, conseguiu sobreviver e, mais tarde, testemunhar contra Lobo. Este tentou fugir e esconder as marcas do crime, mas foi encontrado, preso, julgado, condenado à morte e enforcado aos 28 anos. Francisco Mattos lobo foi, aliás, o último condenado à morte em Portugal.

No entanto, a história não ficou por aí. Na verdade, começou antes da sua morte. A vida e o crime de Francisco de Mattos Lobo serviu de inspiração para obras mesmo antes de este ter deixado esta vida, como “Conversão Noturna que Teve o Reo Francisco de Mattos Lobo, com a Sombra de Diogo Alves (A.J.P., 1841)” e a “Á Morte do Esposo mais Virtuoso […] José Pedro de Matos Conde, Pai de Francisco de Mattos Lobo (P.J.S.S., 1842)” que são ambos drama em verso. O primeiro foi lançada em 1841, em cinco fascículos vendidos separadamente. O segundo tenta recuperar a figura do pai defunto do criminoso, o “esposo virtuoso”. 

A morte de Francisco Lobo, em 1842, não foi o suficiente para impedir que outros autores usassem o criminoso lisboeta como musa. A investigadora encontrou mais cinco peças que usam o trágico evento como tinta para a sua caneta. Dois destes foram relativamente pequenos artigos publicados em revistas, um mais jornalístico (“Os Últimos Três Dias de um Sentenciado” de Castilho) e outro mais narrativo (“Mattos Lobo” de Santonillo).

Houve um autor em particular que se interessou pelo caso por razões curiosas. Francisco António Martins Bastos, conhecido autor da literatura de cordel criminal, preocupado em provar a santidade e inocência dos pais do criminoso, apressou-se a fazer uma biografia da vida deste que saiu no ano da morte de Francisco Lobo. Mais tarde, escreveu a obra de ficção “O crime de Mattos Lobo”, que conta com diversas ilustrações. No entanto, o fascínio pelo último homem condenado à forca em Portugal não se limitou aos livros. O arrepiante episódio inspirou Francisco Manso a realizar o filme e a mini-série “O Último enforcado” (2007).

Fotografia: Francisco de Mattos Lobo por António Correia Barreto, 1820-1889 (Biblioteca Nacional de Portugal)

 

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Raquel Soares
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