A prostituição regulamentada era olhada com preocupação no início do século XX. Só em Lisboa, em 1924, existiam perto de duas mil mulheres menores de 20 anos registadas como prostitutas e o número continuou a crescer nos anos seguintes. Associações lutaram durante anos para a abolir, mas só em 1963 é que a prostituição se tornou ilegal.
A prostituição no princípio do século XX alcançou números preocupantes para a sociedade e para as forças policiais. As estatísticas falavam por si: entre 1897 e 1901, Lisboa era a cidade com o maior número de mulheres matriculadas como prostitutas, uma média de 1.217 “toleradas” (termo utilizado para designar a matrícula) por ano. As menores de 16 anos, apesar de não conseguirem ter matrícula, podiam ser inscritas mesmo que reincidentes com essa idade.
Estas mulheres eram alvo de fiscalização pela Polícia de Lisboa e neste período de tempo foram feitas perto de quatro mil inspeções sanitárias por um médico. Registaram-se ainda 800 autos por transgressão de regulamentos – que levou à prisão 350 toleradas –, 123 processos abertos por clandestinidade, 285 nomes eliminados dos livros de registo e 29 menores foram entregues às famílias. Neste processo de regulamentação, eram ainda destacados dois guardas para acompanhar e assegurar o internamento hospitalar das mulheres toleradas portadoras de algum tipo de doença sexualmente transmitida.
Contudo, a situação piorou com o passar dos anos, indica Pedro Urbano, investigador no Instituto de História Contemporânea (IHC) da NOVA FCSH, no capítulo do livro “Polícias(s) e Segurança Pública – História e Perspetivas Contemporâneas” (MUP, 2020). As alterações regulamentares de 1900 não foram suficientes para mudar o que já estava instituído: a regulamentação da prostituição. E a luta para tirar estas mulheres da rua e dar-lhes outra vida continuou até meados do século XX.
As ações para a abolição da regulamentação da prostituição começaram na segunda metade do século XIX. Teresa Saldanha, fundadora da Congregação das Irmãs Dominicanas de Santa Catarina de Sena, agiu em parceria com a fundação de escolas femininas, que tinham como missão retirar as raparigas da rua e da prostituição e dar-lhes uma profissão em internato nestas escolas. Em 1895, seria, porém, José de Saldanha, irmão de Teresa Saldanha, a defender no Congresso Católico Internacional de Lisboa o término do modelo em vigor e apelar à abolição da prostituição.
Anos mais tarde, Ricardo Jorge, diretor do Instituto Central de Higiene de Lisboa em 1911, foi encarregado pelo então Ministro do Interior, António José de Almeida, de redigir um projeto de decreto para proibir a regulamentação da prostituição. Mas este acabou por não ser promulgado. Outra tentativa, desta vez por parte da Liga de Moralidade Pública, surgiu dois anos mais tarde, que defendeu a “criação de comités de vigilância em todas as localidades do país para reprimir estas atividades”.
Noutro lado da arena, o Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas (CNMP), afiliado com a Liga Portuguesa Abolicionista, partilhava parte das metas: promover o estudo e a divulgação de temas relacionados com a prostituição, de caracter científico e de saúde pública, e a defesa da igualdade entre géneros. Por isso, o CNMP entrou na luta e enviou uma representação a Abranches Ferrão, então Ministro da Justiça, para terminar com a prostituição regulamentada, em 1922. Mas mais uma vez, não surtiu efeito.
Dois anos depois, em 1924, Clemente Gomes, o então diretor da polícia administrativa, numa entrevista ao Diário de Notícias, propôs como solução “apresentar ao Governador Civil de Lisboa um projecto de repressão da prostituição, cujas medidas passavam pela abolição de casas de prostituição e pela condenação da prática de lenocínio”, mas não se sabe se o projeto foi posto em prática, mas evidências parecem demonstrar que estas medidas nunca foram avante.
Tanto que, na noite do primeiro congresso abolicionista, em 1926, onde Adelaide Cabete viu aprovada a tese para o recrutamento de mulheres para a Polícia para combater a prostituição, foram presas no centro de Lisboa, numa única rusga, 60 prostitutas. Apesar de a Polícia de Segurança Pública ser a primeira força policial no país a admitir mulheres, com intenção ajudar a diminuir o número de toleradas na rua, só em 1963 é que a prostituição deixou de ser regulamentada e passou a ser ilegal.
Fotografia: Madame, famosa prostituta de Lisboa e dona da Pensão Amor até morrer. Pormenor numa das paredes da Pensão Amor, ilustrada por Mário Belém. Créditos: Facebook da Pensão Amor.