A arte urbana a céu aberto é uma referência na capital, mas a mão humana, as intempéries e a falta de manutenção destas obras têm vindo a desgastá-las. Duas investigadoras da NOVA FCSH identificaram graffitis relacionados com música que precisam de atenção.
Percorrer Lisboa assemelha-se cada vez a passear por uma galeria de arte ao ar livre, onde os graffitis, as esculturas ou obras de arte tomaram as ruas de assalto. Ao longo dos últimos anos, os roteiros de arte urbana ganharam cada vez mais adeptos, mas por estas obras estarem ao ar livre, a sua degradação torna-se mais suscetível e Luzia Aurora Rocha, investigadora do Centro de Estudos de Sociologia e Estética Musical (CESEM) da NOVA FCSH, e Beatriz Carvalho, colaboradora da mesma unidade de investigação, assinalaram neste artigo (2020) algumas obras de arte urbana relacionadas com a temática da música nas ruas de Lisboa que estão a perder a sua essência.
“Amália «nossa»”, título dado pelas investigadoras ao mural na Travessa de Santo Antão, perto da praça dos Restauradores, é uma homenagem a Amália Rodrigues a assinalar o décimo aniversário da sua morte, em 2009. Antes da sua quase destruição, num dos lados lia-se a frase “Sou do povo por condição”, proferida por Amália e citada por Fernando Dacosta, que contrastava com “os tons quentes de vermelho, cor de fundo do mural, o busto da fadista, em tons de cinza e negro, que transmitem a melancolia, tristeza e saudade que pauta grande parte dos temas de fado, bem como a própria Amália”.
Os tons vívidos são hoje luzes apagadas por assinaturas grafitadas: “Metamorfose, poder-se-ia dizer. Vandalismo, concluir-se-á”. Para além da degradação do mural, algo semelhante a um quiosque foi colocado à frente do mural, também ele alvo de assinaturas. Apesar da evidente perda do original do mural, o rosto de Amália ainda sobrevive para quem a reconhece ao passar pela Travessa de Santo Antão. Toda a concepção da obra do mural foi da autoria de Mr. Dheo e Mosaik, artistas sediados na mesma rua lisboeta.
Já o mural “Fado Vadio”, nas Escadinhas de São Cristóvão, no bairro da Mouraria, retrata várias cenas ao longo do caminho. Desde a alusão ao fado “Povo que Lavas no Rio”, à representação de São Cristóvão, padroeiro dos viajantes, percebem-se os apontamentos alusivos à história de Lisboa, como o corvo e o retrato de Fernando Maurício, fadista lisboeta.
Ao subir as escadas encontram-se duas paredes pintadas com várias cenas, uma delas a representar Maria Severa, prostituta e fadista, e todos os elementos associados à profissão e ao fado, com alguns homens a tocar guitarra portuguesa e viola. Há ainda elementos que remetem para as festas de Santo António e referências ao castelo de S. Jorge, à comida típica de Cabo Verde e ao Padre Edgar Correia Clara, famoso no bairro da Mouraria. Na varanda de uma das paredes vê-se uma mulher a “coscuvilhar” quem passa no bairro.
A obra, idealizada pelo Movimento dos Amigos de São Cristóvão (MASC) e tornado realidade por Nuno saraiva, Hugo Makarov, Mário Belém, Pedro Soares Neves, UAT e Vanessa Teodoro, foi desgastando-se ao longo dos anos, indicam as investigadoras: “Denota-se principalmente a sobreposição de apontamentos grafitados que surgem aleatoriamente espalhados pela composição. Denotam-se algumas falhas na pintura, pois a tinta escamou, pela acção do tempo e das intempéries e também pela mão do Homem”.
Por outras ruas lisboetas há ainda obras que também têm sido alvo de vandalismo. É o caso do trabalho do artista Jef Aerosol, em que utilizou o stencil de Amália a tocar guitarra portuguesa nas Travessa da Quebrada, no Bairro Alto, na Rua da Oliveira, perto do Largo do Carmo, e no Beco dos Cortumes, em Alfama. Nem todas as obras se perderam, mas é necessária manutenção.
Fotografia de destaque: Pormenor do mural das Escadinhas de São Cristóvão. Retirado do artigo das investigadoras.