Alta de Lisboa (I parte) – revisitar um passado de pobreza e exclusão

A Alta de Lisboa – marca publicitária da zona que corresponde ao Alto do Lumiar – resultou de um plano de realojamento dos residentes que viviam em situações precárias e de atração de novos moradores. Um investigador da NOVA FCSH tentou perceber de que forma essa inclusão foi feita e como convivem neste espaço o passado e o presente de uma Alta que esteve durante décadas em baixa.

Até aos anos de 1950, o Alto do Lumiar era constituído por quintas, olivais, mato e terrenos baldios usados como vazadouro. Nos anos seguintes, a área deu lugar a habitações precárias que se aglomeraram em oito “bairros”, edificados em quintas devolutas e terrenos camarários: Calvanas, Musgueira Sul, Musgueira Norte, Quinta Grande, Cruz Vermelha, Sete Céus, Quinta do Louro e Quinta da Pailepa.

Estes bairros, que se desenvolveram essencialmente entre as décadas de 1960 e 1980, tiveram origens díspares: uns foram promovidos pela autarquia local e por entidades assistencialistas, enquanto outros nasceram de forma informal e espontânea, descreve Gonçalo Antunes, investigador do CICS.NOVA da NOVA FCSH, no seu livro “Da Musgueira à Alta de Lisboa; Recomposição Social e Urbana” (Chiado Editora, 2015).

Nos casos da Musgueira Sul e da Musgueira Norte, a Câmara Municipal de Lisboa (CML) promoveu a construção de pequenas casas térreas com a função de acolher a população desalojada em virtude da construção da Ponte sobre o Tejo e dos respetivos acessos.

Muitas famílias foram obrigadas a construir a sua nova residência em sistema de autoconstrução: o município cedia os materiais e a Santa Casa da Misericórdia indicava os espaços que lhes estavam destinados e onde poderiam construir a habitação. Esta estratégia de realojamento, que a CML considerou provisória no início, acabou por estender-se durante 40 anos: aliás, só nos anos de 1970 é que foram construídos balneários e lavadouros públicos.

Porém, rapidamente se juntaram a estes desalojados coercivos famílias rurais que chegavam à cidade ou retornados das antigas colónias portuguesas. Os outros bairros do Alto do Lumiar constituíram-se de forma espontânea (como os da Quinta Grande e Quinta da Pailepa), ilegal (casos dos bairros das Calvanas e Sete Céus) e com a ajuda de outras entidades, como a Cruz Vermelha Portuguesa (CVP), no caso do bairro que viria a ganhar o nome da instituição. Ficou célebre, neste último, a campanha nacional “dez tostões por uma casa”, promovida pela secção feminina da CVP – as seis “Marias” – e pelo Diário de Notícias.

Apesar das origens geográficas, étnicas ou sociais díspares, Gonçalo Antunes reforça que todas as famílias destes bairros tinham um ponto em comum: ausência de rendimentos suficientes para residir numa habitação que não fosse abarracada, acabando por levar a uma “situação cumulativa e complexa, onde estavam presentes fenómenos de pobreza, exclusão, segregação e estigmatização”.

O ciclo era difícil de quebrar: “os bairros precários funcionavam como buracos de pobreza, locais ideais para a assimilação da cultura de pobreza, pequena criminalidade e marginalidade”, salienta o investigador.  Trabalhos desenvolvidos por equipas do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), no final dos anos de 1980, demonstram que a pobreza urbana se refletia no acesso reduzido à rede de transportes públicos e ao mercado de trabalho, em condições de vida inadequadas e más condições higiénico-sanitárias, domínios que levavam, por sua vez, à exclusão.

Os moradores sentiam na pele o preconceito dos outros por viverem nesses bairros, a exclusão do mercado de trabalho e dos serviços públicos elementares. O resultado era, refere Gonçalo Antunes, a alineação e o estigma: “os bairros de barracas acabavam por ser alvo de julgamentos negativos, estigmatizando um coletivo abstrato e imaginário, partindo de preconceitos e estereótipos arbitrários que enfraqueciam a vida comunitária ao mesmo tempo que contribuíam para que se fechasse sobre si mesma”.

Créditos: desinfeção de um dos bairros da Musgueira, em 1972. Fotografia de Armando Serôdio (AFL).

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