O primeiro bangladeshi, natural da região de Sylhet, chegou a Lisboa em 1993. Terá sido por seu intermédio que outros lhe seguiram o exemplo. Começaram por trabalhar em setores desfavorecidos, mas rapidamente se tornaram empresários. Em 2008, detinham mais de 150 lojas entre o Martim Moniz, os Anjos e a Baixa lisboeta.
O Martim Moniz é apelidado, pelos próprios bangladeshis, de Banglapara –uma zona bengali. Em 2010, viviam nesta zona cerca de mil, de acordo com relatos recolhidos por José Mapril, investigador da NOVA FCSH, que faz neste artigo (2010) uma análise etnográfica dos seus negócios em Lisboa.
Os primeiros a chegar à cidade, por volta dos anos de 1990, começaram por trabalhar na construção civil ou no comércio ambulante, enquanto decorria o seu processo de legalização. Depois de assegurado o estatuto legal, começaram a investir em negócios por conta própria. Por um lado, trabalhar por conta de outrem implicava ordenados excessivamente baixos; por outro, os bangladeshis eram licenciados ou mesmo pós-graduados e não queriam ser associados a trabalhos desprestigiantes. Prosperar significa “fazer um negócio e tornar-se um ‘patrão’”, afirma José Mapril, com base nas declarações dos seus interlocutores.
No primeiro período de trabalho de campo, entre 2003 e 2005, este antropólogo identificou 60 lojas de bangladeshis na zona do Martim Moniz; em 2006, eram já 80 e estendiam-se ao longo da Avenida Almirante Reis, Rua da Palma, Rua do Benformoso, Intendente, Rua de São Lázaro e dos centros comerciais Mouraria e Martim Moniz. Dois anos depois, ocupavam mais de 150 lojas, entre a Praça Martim Moniz, os Anjos e a Baixa lisboeta. Em 2010, um quarto das lojas existentes no Martim Moniz pertencia a cinco dos mais antigos bangladeshis em Lisboa. Esta realidade contrasta com aqueles que chegaram depois de 2001, em geral donos de uma só loja.
A maior parte do capital inicial para abrir o negócio resultava, segundo José Mapril, de empréstimos de familiares, da venda das propriedades próprias no Bangladesh ou de poupanças individuais; alguns passaram temporadas a trabalhar noutros países, com salários mais elevados, e regressaram a Portugal para abrir negócios que se dividem entre restaurantes, mercearias, lojas de pronto-a-vestir, de brinquedos e de bricabraque. Outra solução para obter financiamento passava por um intermediário português que circulava diariamente pela zona do Martim Moniz: os pagamentos eram feitos semanalmente ao próprio e a condenação social dos faltosos garantia o pagamento.
Como conseguiram prosperar? Através de redes sociais e relações de confiança não só entre conterrâneos, mas também com chineses, paquistaneses e outros migrantes, permitindo-lhes angariar capital económico e informações sobre os mercados e os fornecedores. O recurso a apoio familiar é fundamental. É usual o parente não receber salário porque se assume que está a trabalhar para a mesma unidade doméstica; em contrapartida, poderá receber apoio financeiro do patrão mais tarde, quando quiser abrir o seu próprio negócio.
Imagem: vista aérea da Praça do Martim Moniz. Fotografia de Marcel Plaatsman.