Discrição. Esta era a palavra de ordem da maternidade Abraão Bensaúde que, com apenas com um envelope, protegia as mulheres grávidas de forma segura e anónima. A investigação de Virgínia Baptista, do Instituto de História Contemporânea (IHC) da NOVA FCSH, revela informações inéditas da única maternidade secreta de Lisboa.
Rua da Beneficência, nº7. Ali, perto da Avenida de Berna, existiu a única maternidade portuguesa identificada como “secreta”. Esta maternidade seguiu a tendência europeia que permitia às mulheres grávidas pobres e desprotegidas terem os seus filhos de maneira anónima. A Bensaúde “teve a particularidade de possuir uma seção ‘secreta’”, aponta Virgínia Baptista, investigadora do IHC, no artigo (2016) sobre as maternidades de Lisboa, Porto e Coimbra entre 1889 e 1943.
Esta associação de beneficência iniciou funções em 1927 e foi inaugurada em 1928 pelo Presidente da República Óscar Carmona. Tinha como fim prestar auxílio e tratamento às mulheres nos últimos meses de gravidez e nos primeiros meses depois do parto, de maneira anónima e com o objetivo de as ajudar na vida futura, se assim se justificasse.
E tudo com apenas um envelope. As mulheres não precisavam de indicar o seu estado civil mas, se o quisessem divulgar, tinham a possibilidade de ser inscritas sob um nome falso ou um número de ordem. “Deveriam, no entanto, entregar ao médico um documento, contendo informações sobre o estado civil, e, se quisessem, as últimas vontades, que ficavam num envelope fechado e lacrado”, explica a investigadora.
Esse envelope era entregue novamente às mulheres quando saíssem da maternidade e apenas seria aberto pelas autoridades se assim se justificasse. Nesta ala secreta, os funcionários “era[m] obrigado[s] à maior descrição e só autoridades competentes e visitas autorizadas podiam entrar na maternidade”.
Nesta maternidade, também entraram mulheres grávidas perseguidas pelo regime ditatorial de Salazar, principalmente nos anos 50 e 60 do século passado. Estavam salvaguardadas porque não lhes era pedido nenhum documento de identificação, ao invés dos hospitais públicos.
Todo o secretismo circundante na maternidade resultou em escassos dados sobre o perfil destas mulheres. O que apenas se sabe é escrito pela mão do diretor clínico da Bensaúde, Sebastião Cabral da Costa Sacadura. Em 1954, o médico escreve que a primeira grávida a entrar na maternidade, em 1927, tinha apenas 13 anos e que posteriormente foi contratada como criada.
Uma outra mulher veio do norte do país “em situação extrema” com tendências suicidas e teve um menino, que ficou na creche (na instituição anexa à maternidade). A mulher casou anos mais tarde e a criança ficou com a mãe. Outra rapariga ficou na maternidade e fez um curso que lhe permitiu ter um rendimento e pagar a educação da filha no colégio das Doroteias. Mais tarde, partiram ambas para uma das colónias e constituíram família.
Secretismos à parte, esta maternidade resultou da vontade de Emília Bensaúde honrar a memória do seu marido, Abraão Bensaúde, através de uma obra de beneficência que ajudou muitas grávidas a preservar a identidade e, quiçá, a própria vida.