Campo de Ourique – porquê este bairro? Parte II

Há 140 anos, era aprovado o plano do bairro de Campo de Ourique, uma das primeiras iniciativas da Câmara Municipal de Lisboa no âmbito do plano de melhoramentos da capital. O seu isolamento geográfico acabou por ser decisivo para a sua identidade sócio-cultural, que perdura ainda hoje.

O projeto para um bairro em Campo de Ourique nasceu do traço de Augusto César dos Santos, Condutor de Obras Públicas, que pegou num plano imobiliário apresentado pela firma Silva, Esteves, Lopes e Companhia e o expandiu, como explica Susana Maia e Silva, historiadora da arte, na I parte deste artigo baseado na sua tese de mestrado da NOVA FCSH (2014).

O processo de edificação do bairro, após a aprovação do plano em 1878, é muito rápido: os primeiros lotes são colocados à venda em 1879 e atraem a pequena e média burguesia.  Os primeiros edifícios construídos na Rua Ferreira Borges e na Rua 4 de Infantaria começam a ser habitados em julho de 1880. Também aqui o bairro foi pioneiro, experimentando um novo modelo de intervenção urbanística: o loteamento e venda de parcelas edificáveis.

Nos anos seguintes, a pequena e a média burguesia dominaram o bairro. A ligação destas classes aos serviços e ao comércio acabou por influenciar o estabelecimento de pequenos negócios, “essenciais aliás ao quotidiano do bairro, votado, desde o início da sua construção, ao isolamento”, afirma Susana Maia e Silva. Surgem também relacionados com este espírito as sociedades sócio-culturais e as cooperativas.

Embora César dos Santos tenha desenvolvido um dos bairros “mais bem estruturados da capital”, a sua localização acabou por remetê-lo para um plano secundário no âmbito da política urbanística ocidental, salienta a investigadora. A Câmara Municipal focou os seus recursos nas grandes avenidas a norte da Baixa, inviabilizando a interligação do bairro a outras zonas da capital. “Isolado do resto da cidade, e fechado sobre si mesmo, Campo de Ourique transformou-se num bairro sectorial”, explica.  A identidade do bairro acabou por definir-se pela população que o habita, pelas pequenas indústrias e pelo quartel, que já existia.

Porém, não deixou de ser “um laboratório de ensaio”: as dificuldades sentidas na sua edificação ao longo de 80 anos acabaram por alertar a Câmara para os problemas associados à metodologia de trabalho usada no planeamento urbanístico, influenciaram o progresso dos quadros legais de apoio à coordenação da intervenção urbanística e contribuíram para a consolidação da prática dos técnicos camarários no terreno.

Fotografia: Rua Ferreira Borges, na década de 1950. Fotografia de Judah Benoliel (Arquivo Fotográfico de Lisboa). 

Escrito por
Dora Santos Silva

Professora do Departamento de Ciências da Comunicação da NOVA FCSH. Coordenadora editorial do +Lisboa.

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