A reconversão dos teatros em salas de cinema foi o primeiro passo para a associação do cinema a edifícios imponentes e vanguardistas. Mas rapidamente a sétima arte procurou outras casas.
Na primeira metade do século XX, ir ao cinema era muito mais do que ver um filme e os edifícios que os acolheram – do Cine-Teatro Éden ao São Jorge – faziam jus a esse culto. Eram as catedrais do cinema que se concentravam na Avenida da Liberdade e pontualmente noutras artérias importantes da cidade.
À medida que a cidade se foi expandindo, o cinema acompanhou o nascimento de novos bairros, passo a passo com os novos hábitos de consumo. O Cinema Lumiar, junto à Calçada de Carriche, ou o Cinema do Restelo, na Avenida Torre de Belém, são exemplos de cinemas de bairro, mas é o Bairro de Alvalade que se torna o paradigma deste fenómeno, descrito no livro “Cinemas de Lisboa – Um Fenómeno Urbano do Século XX” (2012, Bizâncio), da autoria de Margarida Acciaiuoli, investigadora da NOVA FCSH.
O Cinema Alvalade, inaugurado em 1953, torna-se a referência do bairro. O edifício, projetado por Filipe Figueiredo e Lima Franco, situado no gaveto entre a Avenida de Roma e a Rua Augusto Palmeirim, longe de ser uma catedral, insere-se no planeamento urbano do bairro e da sua dinâmica, potenciado pela abertura de cafés emblemáticos, como o Vá-Vá, o Luanda e a pastelaria Suprema (entretanto encerrada), no cruzamento da Avenida de Roma com a avenida dos Estados Unidos da América. O cinema fecha nos anos de 1980 e o edifício é demolido em 2003, dando lugar a um prédio de escritórios e ao Cinema City Alvalade, inaugurado em 2009.
Outros cinemas nascem junto à artéria principal do bairro, a Avenida de Roma, que liga a Avenida do Brasil à Praça de Londres. Foram integrados em edifícios de habitação e comércio ou noutros edifícios, construídos tendo em conta as funcionalidades dos cinemas de bairro: o Cinema Roma, em 1957 (onde está agora o Fórum Lisboa); o Cinema Vox, em 1960 (que daria lugar ao Cinema King, que entretanto encerrou em 2013); o Cinema Londres, em 1972 (hoje uma loja de produtos chineses); e o Cinema Quarteto, que arrancou em 1975 com quatro pequenas salas e que se tornou o espaço por excelência do cinema de culto até 2007 (é hoje local de um culto religioso).
É a partir do fenómeno dos cinemas de bairro em Alvalade que a sétima arte deixa de se afirmar na cidade pela arquitetura, salienta a investigadora, imperando a perspetiva económica. O cinema partilha os edifícios com comércio e habitação, ocupando as caves ou os rés-do-chão. O Estúdio 444, na Avenida Defensores de Chaves, inaugurado em 1966, e o Cinema Mundial, na Rua Martens Ferrão, junto à Avenida Fontes Pereira de Melo e aberto ao público dois anos antes, são exemplos dessa coabitação.
A integração do cinema nos centros comerciais que começavam a surgir a partir dos finais dos anos 1970 faz-se naturalmente: no Apolo 70, na Rua Júlio Dinis; no Centro Comercial Castil, nas Picoas; e no primeiro grande centro comercial, as Amoreiras, que consolida a integração de várias salas de cinema num único espaço, conceito que já tinha sido explorado no Cinema Quarteto, no Cinema Vox e no Cinema Mundial.
Explore o roteiro Catedrais do Cinema e faça o percurso pelos grandes edifícios que acolheram a sétima arte no seu apogeu.