Fernando Pessoa: o fantasma de Tabucchi em Lisboa

Nos anos de 1960, António Tabucchi (1943-2012) foi desassossegado pela obra de Fernando Pessoa, na Universidade de Sorbonne. Decidiu então estudar português para a compreender melhor. E em Requiem: uma alucinação, o escritor italiano tem encontro marcado com o fantasma do “maior poeta do século XX”.

É precisamente o Livro do Desassossego, de Fernando Pessoa, que a personagem “Eu” do romance Requiem: uma alucinação, escrito por António Tabucchi em 1991, se encontra a ler antes da sua alucinação que o leva à cidade de Lisboa, num domingo de julho, para um encontro com o fantasma do “maior poeta do século XX”, no Cais de Alcântara, às 12h. Depois de perceber que seria à meia-noite e não ao meio-dia, “porque os fantasmas aparecem à meia-noite”, o protagonista – alter-ego de Tabucchi – percorre alguns dos locais emblemáticos da cidade, como o Museu de Arte Antiga, a Casa do Alentejo, as Portas de Santo Antão e o Terreiro do Paço.

Para João Miguel Ferreira, investigador da NOVA FCSH, a escolha de Lisboa para cenário de encontro com fantasmas é reflexo da paixão do escritor italiano António Tabucchi – que adquiriu nacionalidade portuguesa em 2004 – pela cidade. “Ele sente-se lisboeta, descreve as ruas, becos e praças com precisão, domina os caminhos, conhece a gastronomia, percebe as gentes”, afirma o autor do ensaio “Os fantasmas de Berger e Tabucchi em Lisboa”, que integra o livro “Talent Will Rise”, editado e organizado por Carlos Ceia (2013).

Como se convocam e manifestam os fantasmas? Pela poesia, responde Tabucchi: “a voz da poesia tem o poder de estabelecer um diálogo com os fantasmas”. Para João Miguel Ferreira, é através do encontro literário com os fantasmas que Tabucchi consegue encarar a morte do poeta, mostrando como recorda “quem deixou de ter uma forma física para passar a ter uma existência inapagável, onde lei nenhuma consegue chegar”, sublinha o investigador no artigo. A obra é, por isso, uma clara homenagem a Fernando Pessoa.

Tabucchi foi professor de Língua e Literatura Portuguesa na Universidade de Siena, na província italiana de Toscana. Escreveu cerca de 30 livros e dedicou parte da sua vida à crítica e tradução para italiano da obra de Fernando Pessoa.  Requiem: uma alucinação foi o único romance escrito diretamente em português por Tabucchi, língua que considera “um lugar de afeto e de reflexão”, sublinha no início da obra, acrescentando peremptoriamente: “uma história como esta só poderia ser escrita em português, e pronto”.

Imagem: caricatura de Fernando Pessoa por Almada Negreiros.

Escrito por
Dora Santos Silva

Professora do Departamento de Ciências da Comunicação da NOVA FCSH. Coordenadora editorial do +Lisboa.

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