No Natal de 1917, os ballets russes chegam a Lisboa e deixam uma marca no modernista português que inspirou gerações de artistas.
Depois de terem passado pelas principais cidades americanas e europeias, os bailados russos atuam em Lisboa: no Coliseu dos Recreios, entre 13 e 27 de dezembro de 1917, e no Teatro São Carlos, nos dias 2 e 3 de janeiro de 1918. A companhia de Diaghilev era considerada a vanguarda da dança, pela sua concepção moderna de espetáculo que englobava a pintura e a música, além da dança.
A vinda dos bailados russos a Lisboa tinha sido anunciada pelos jornais em outubro de 1917. Almada Negreiros recebe essa notícia com tanto entusiasmo que no dia seguinte escreve o conhecido manifesto Os Bailados Russos em Lisboa.
A companhia “influencia substancialmente” o modernista, que conviveu com o elenco e parece ter ficado amigo do coreógrafo Massine, afirma Sara Afonso Ferreira, investigadora da NOVA FCSH, na edição especial (p. 438-448) do Instituto de História da Arte dedicada a este modernista.
Do repertório apresentado pela companhia nos palcos portugueses, o Sol da Noite constitui “o único escândalo”, relembra a investigadora. Numa crítica ilustrada por Almada, Manuel de Sousa Pinto considera o bailado “uma ode futurista concebida por farsantes e dançada por malucos”.
Mas Almada Negreiros não partilha dessa opinião e o Sol da Noite acabaria por influenciá-lo nos figurinos que desenha para A Rainha Encantada, que se estreia no Teatro São Carlos em abril de 1918. São caracterizados pelo universo da infância, primitivismo e ingenuidade, traços ímpares dos bailados russos.
Outros projetos que desenvolveu enquanto dançarino, coreógrafo e figurinista – como A Princesa dos Sapatos de Ferro ou O Jardim de Pierrette, ambos de 1918 – confirmam também a inspiração russa e, em particular, a influência estética de Mikhail Larionov, pintor vanguardista, e da escultora Natalia Gontcharova.
Imagem: figurino da personagem “A Rainha” para a peça “A Rainha Encantada” (Almada Negreiros, 1918).