Do Bairro Alto à Junqueira, toda a zona ocidental de Lisboa aparece registada no levantamento cartográfico mais antigo que se conhece atualmente. Foi um acaso que levou à sua identificação.
Um cruzeiro assinala o cruzamento onde convergem as ruas da Esperança, do Poço dos Negros e do Merca-Tudo, mas há outras cruzes a marcar o início das ruas e as fronteiras das paróquias, como era costume na época, ainda que já não resista nenhuma nos nossos dias a guardar essa memória. É um dos pormenores que podem ser identificados no que é considerado agora o levantamento topográfico mais antigo de Lisboa.
Trata-se de um mapa que remonta ao final do século XVI, muito provavelmente entre 1590 e 1597, traçado por Giovanni Vincenzo Casale e pelo seu sobrinho Alexandre Massai, defende Sandra Pinto, investigadora do CHAM — Centro de Humanidades da NOVA FCSH, neste artigo (2017). Antes desta descoberta, pensava-se que a emblemática planta de Lisboa, datada de 1650 e da autoria de João Nunes Tinoco, era o plano mais antigo da cidade.
Esta planta foi feita para propósitos militares, como se percebe por uma nota quase apagada, mas ainda legível, a assinalar um local onde se pode construir uma plataforma para instalar peças de artilharia. De acordo com a cronologia da época, serviriam de defesa contra os ataques ingleses.
Há ainda outras particularidades a sublinhar. “Desde logo não é um produto final, mas um esquiço ou esboço preliminar, o que permite a identificação de algumas técnicas cartográficas utilizadas na sua produção, o que é raro”, explica Sandra Pinto. “Até as marcas no papel deixadas pelo compasso se conseguem ver, assim como os ‘X’ sobre os edifícios, que assinalam que as medidas e o traçado estavam bem feitos.”
Por outro lado, representa a zona ocidental da cidade, exterior à muralha fernandina, que não foi muito afetada pelo terramoto de 1755 e que só voltaria a ter um novo levantamento no século XVIII.
Sandra Pinto encontrou esta planta por acaso, no acervo online da Biblioteca Nacional do Brasil, enquanto procurava dados sobre processos urbanísticos até meados do século XIX, durante a fase de pesquisa da sua tese de doutoramento, que foi defendida em 2012. O esboço não tem título, nem data, além de não estar assinado, o que levou a que tivesse sido catalogado como sendo do século XVIII. No entanto, houve um pormenor que chamou a atenção da cientista: “a Rua de São Roque que só foi alargada no início do século XVII”.
Depois, a sua análise cuidadosa, que inclui pormenores como a datação histórica da marca de água do papel, permitiu perceber que se estava perante uma verdadeira preciosidade. “É a primeira planta de Lisboa que sabemos que existe, ao contrário de outras capitais europeias que têm plantas conhecidas do século XVI.”
Imagem: mapa inédito do século XVI da cidade de Lisboa encontrado pela investigadora. Reproduzido no respetivo artigo científico com permissão da Biblioteca Nacional do Brasil.