Jardim de São Pedro de Alcântara – de palco de suicídios a quase símbolo da Lisboa romântica

O gradeamento que circunda ainda hoje o jardim veio diretamente do Palácio da Inquisição do Rossio, em 1864, para diminuir a tentação do salto. O miradouro de São Pedro de Alcântara era uma “fábrica de suicídios”, que desafiava a desejada identidade romântica do espaço.

A expressão é do cronista novecentista Gervásio Lobato e foi recuperada por Joana Cunha Leal neste artigo (2000). A historiadora da arte resgata a historiografia do espaço para combater a ideia da romanticidade como traço fundamental do Jardim de São Pedro de Alcântara, que, aliás, acabaria por tornar-se um símbolo da Lisboa romântica.

No século XVIII, D. João V manda construir uma muralha com 20 metros de altura nos terrenos de São Pedro de Alcântara com vista a criar uma Mãe de Água – um depósito monumental que prolongaria o Aqueduto das Águas Livres até à Graça. No entanto, o Terramoto de 1755 impõe outras prioridades e os terrenos passaram a servir de vazadouro de animais mortos que eram atirados da muralha abaixo.

Em 1830, há a primeira tentativa de converter o baldio num jardim. A iniciativa parte da Guarda Real da Polícia que, tendo o quartel muito próximo, fez do espaço a sua “horta”. Só cinco anos mais tarde é que a Câmara Municipal de Lisboa, na sequência da vitória do Liberalismo e da recuperação dos poderes executivos, converte o espaço num jardim público.

Nos anos seguintes, o investimento no jardim resultou em canteiros e flores geometricamente desenhados, próximos da jardinagem francesa. Bustos de heróis portugueses dos Descobrimentos e deuses da mitologia romana encontraram-se lado a lado, no patamar inferior. No entanto, Joana Cunha Leal reconhece estes melhoramentos apenas como “tangencialmente” românticos, argumentando que o ajardinamento do espaço derivou da política urbana e arquitetónica dos anos liberais. A investigadora alega que a ordenação geométrica do jardim, a colocação de um gradeamento no remate da muralha, em 1864, para travar o fluxo suicidário de Lisboa, e a manutenção diária de guardas no espaço foram medidas para combater a má fama do jardim, conhecido como o “Campo Grande dos pobres”. Os “dispositivos de presumível libertação, lidos nesse sentido como românticos, foram normalmente criados como dispositivos de dominação”, conclui.

Só após a extinção do Passeio Público do Rossio, nos anos de 1880, é que o jardim começaria lentamente a tornar-se espaço de recreio e lazer da burguesia. Hoje é um dos miradouros emblemáticos da cidade.

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Ana Sofia Paiva
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