Marcas do Convento do Espírito Santo na colina do Chiado

Alçado do Convento do Espírito Santo. Foto de Luísa Oliveira.

Não é pequeno o espaço que hoje identificamos como os Armazéns do Chiado, mas se se tivesse cumprido o projeto original do Convento do Espírito Santo da Pedreira outra história se contaria. O edifício concluído em 1792, depois da grande destruição do terramoto de 1755, tem muito que revelar.

Quatro desenhos de projeto que sobreviveram no espólio do arquiteto José Maria Nepomuceno e que foram partilhados pelo seu neto, Alexandre Braz Mimoso, permitiram conhecer com pormenor as intenções originais do autor, o arquiteto José Joaquim Ludovice.

O edifício era muito maior, estendendo-se até à Rua de São Nicolau, em vez de terminar nas Escadinhas do Espírito Santo da Pedreira, o topónimo que ainda lhe guarda a memória. Olhando no mapa a ocupação real, percebemos com clareza a diferença de escala para o que estava projetado e se estendia por mais um quarteirão.

O desenho da fachada também não cumpre o Cartulário Pombalino, o programa de reconstrução pós-terramoto imposto por Sebastião José Carvalho e Melo, o marquês de Pombal.

Na verdade, um segundo ciclo da reconstrução pós-terramoto ocupa o reinado de D. Maria I, até à partida da família real para o Brasil, e já não cabe na designação de “arquitetura pombalina”, defende a investigadora Raquel Henriques da Silva, do Instituto de História de Arte, da Nova FCSH. Obviamente, não serão alheias razões políticas de confronto com o marquês.

Os desenhos a tinta-da-china e aguada revelam o resultado da encomenda dos padres do Oratório, que nunca chegariam a ver o conjunto terminado. Pelo traço de José Joaquim Ludovice vemos o alçado frontal da Igreja do Espírito Santo e a respetiva escadaria de acesso, que se deveria erigir na Rua de S. Nicolau.

No entanto, o arrastar dos trabalhos levou a que o templo se instalasse provisoriamente na portaria (na área onde hoje está a entrada principal do centro comercial), acabando por nunca conhecer outra localização.

Não foi o único revés. “Uma sucessão fatal de circunstâncias aziagas deixou o edifício incompleto: por falta do cabedal necessário, da entrada dos franceses em Lisboa e da crise sequente, ou ainda da extinção das ordens, já em 1834, o que é certo é que não chegou a ser erguida a igreja, ao contrário do corpo conventual, construído de acordo com os planos de José Joaquim Ludovice”, lê-se no artigo da Revista de História da Arte, assinado por Miguel Soromenho, da Direção-Geral do Património Cultural e Museu Nacional de Arte Antiga, e por Raquel Henriques da Silva.

Depois do abalo sísmico e do abalo político, com a extinção das ordens religiosas, outro grande abalo aconteceria a 25 de agosto de 1988, com o grande incêndio do Chiado.

A cronologia disponível no projeto de investigação Lx Conventos revela que este é um lugar com muito que contar, desde os tempos em que era uma pedreira de Lisboa (escreva “LxConv079”, em pesquisa e clique em “cronologia”).

Mesmo hoje, um olhar atento permite dar conta de dados curiosos. A arquiteta Hélia Silva, do projeto Lx Conventos, chama a atenção para o cunhal, maior do que a entrada do metropolitano, que passa despercebido a quem segue apressado. É a grande esquina cega que serve de sustentação ao edifício.

Legendas da primeira foto:  Alçado do convento. Prospectos do Convento e Igreja do Espírito Santo na calçada do Carmo, topo da rua direita das portas de Santa Caterina, e Rua nova de Almada, da travessa de Santa Justa, até à travessa de S. Nicolao, 535 mm × 835 mm. Rubricado em baixo, à direita: Visconde de Vila Nova de Cerveira © Luísa Oliveira; segunda foto: Alçado da igreja, Prospecto da Igreja do Espirito Santo na travessa de São Nicolao, 475 mm × 345 mm. Rubricado em baixo, à direita: Visconde de Vila Nova de Cerveira © Luísa Oliveira

Escrito por
Alda Rocha
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