Jornalista e ativista, Maria Lamas desafiou os cânones da mulher no Estado Novo: divorciou-se duas vezes, esteve exilada em França e foi presa quatro vezes. Mãe de três filhas, chegou a passar dificuldades económicas e tornou-se numa figura incontornável na defesa dos direitos das mulheres em Lisboa e no país.
“Sejamos inteligentemente mulheres.” Este foi o lema de uma das exposições públicas incentivadas por Maria Lamas, a 17 de maio de 1940. A então diretora da revista Modas e Bordados, integrada no jornal O Século, esteve na sua direção de 1928 a 1947.
Da revista “saiu compulsivamente, mas determinada, passando a ter empregos precários e momentos de dificuldades económicas”. Voltou, em 1975, como diretora honorária da revista Mulheres, Modas e Bordados com a mesma temática, mas já em regime democrático, refere Virgínia Baptista, investigadora do Instituto de História Contemporânea (IHC) da NOVA FCSH, no capítulo de livro (2017) sobre o legado da jornalista.
Maria Lamas foi uma das maiores ativistas femininas do país e desafiou o regime de António de Oliveira Salazar. Presa por quatro vezes, a jornalista teve uma relação instável com o regime da época. Exilada em França por três vezes, entre as décadas de 1950 e 1960, Maria Lamas teve três filhas e divorciou-se duas vezes o que, na ótica dos valores impostos à mulher na ditadura, não era bem visto.
A jornalista assumiu a sua orientação antifascista, num requerimento endereçado a António de Oliveira Salazar, em 1950. Em conjunto com José Morgado, Areosa Feio e Albertina Macedo, a carta expunha os “maus tratos infligidos aos presos, com referência à morte de Militão Bessa Ribeiro e José Moreira, enlouquecimento de José Augusto da Silva Martins e morte de Wesceslau Ramos, na sede da PIDE, no Porto”, escreve a investigadora.
Maria Lamas não se reconheceu como feminista, mas contactou com personalidades que também se destacaram pelos direitos das mulheres: Adelaide Cabete, Ana de Castro Osório, Angelina Vidal, entre tantas outras. Integrou a direção do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas (CNMP), em 1945, que o regime encerraria através da Polícia Judiciária, em 1947.
O livro As Mulheres do Meu País foi uma grande reportagem da jornalista, distribuída em 15 fascículos para contornar a censura. Esta obra e A Mulher no Mundo, outra de Maria Lamas, “mostraram e desocultaram as mulheres, «as excluídas da História», quando as representações políticas e sociais as mantinham numa situação de invisibilidade e de silêncio dos quotidianos”.
Para além de exposições públicas e de livros dedicados às mulheres, também cargos em diferentes associações fazem parte do currículo desta ativista. Maria Lamas faleceu em 1983, aos 90 anos, em Lisboa, e há na cidade uma rua em sua homenagem.
Recebeu vários prémios e distinções pela valorização dos direitos das mulheres: “Na realidade, Maria Lamas mostrava o que o Estado Novo pretendia invisibilizar com a defesa da ideologia da mulher no lar velando pela família, como doméstica ou reduzida às funções de trabalhadora auxiliar do chefe de família masculino”, conclui Virgínia Baptista.
Fotografia: Rede Regional