Mercado livreiro lisboeta no início do século XX: o lugar da religião

Nos primeiros anos do século XX, Lisboa acolhia 60 livrarias, das quais dois terços eram também editoras. O livro religioso era parte integrante da oferta. 

Só a partir do início do século XX a figura do editor começa a assumir importância social e a autonomizar-se da do livreiro. Com essa figura, crescem novas casas apenas dedicadas à edição. Antes confinadas ao centro da cidade, acompanham a expansão urbanística de Lisboa, criando novas oportunidades de negócio e clientes.

A maioria dos editores e livreiros não apresentava fenómenos de concentração. “São conhecidos pelo nome próprio do dono ou de algum dos anteriores proprietários, como o caso da Antiga Livraria Bertrand”, descreve Paulo Alexandre Alves, investigador do Instituto de História Contemporânea da NOVA FCSH, na sua tese de mestrado (2015).

A partir da análise dos catálogos disponibilizados por estas casas comerciais, Paulo Alexandre Alves conseguiu perceber a importância que o livro religioso tinha para os livreiros lisboetas. O livro religioso representava cerca de uma em cada dez obras comercializadas (entre 1903 e 1905, foram 1248 entre as 11008 obras publicadas). Estes números permitem ao investigador identificar este género não como “um apêndice”, mas como uma categoria comercial relevante.

Para o investigador, as tipologias mais representadas eram a “apologética e polémica” (34 por cento) e a “espiritualidade” (31 por cento). A primeira agrupa obras que veiculam uma visão da sociedade com intervenção da religião; a segunda diz respeito ao ser cristão na sociedade. Ambas têm uma função social, afirma Paulo Alexandre Alves, “característica da inserção do religioso numa sociedade em processo de laicização”.

As categorias menos representadas confirmam esta tendência: “sagradas escrituras”, obras de teologia, restritas a um público-alvo específico, e “pastorais ou institucionais”, levando o investigador a inferir que o episcopado tinha pouca liderança religiosa junto dos fiéis.

Imagem: exemplo de um livreiro-editor nos Restauradores (1903). Fotografia de Joshua Benoliel (AFL).

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