Será Lisboa a cidade de Ulisses?

A Odisseia, obra-prima da Antiguidade Grega atribuída a Homero, foi um dos primeiros textos traduzidos para latim pelos romanos. Desde então, muitas têm sido as relações estabelecidas entre o herói da guerra de Tróia e a fundação daquela que viria a ser a capital de Portugal.

No século I a.C., o poeta Ovídio retomou partes da lenda ao escrever as suas Metamorfoses e as cartas das Heróides. No século seguinte, o grego Estrabão, filósofo, historiador e geógrafo, considerou existirem vestígios suficientes para ligar a mítica personagem de Ulisses à Península Ibérica. E assim se reforçou uma associação que chegaria aos nossos dias, como explicam neste artigo Leonor Santa Bárbara e Luís Manuel Bernardo, investigadores do CHAM – Centro de Humanidades da NOVA FCSH.

De Plínio a Isidoro de Sevilha, do relato de um cruzado que ajudou D. Afonso Henriques a conquistar Lisboa à interpretação avançada no séc. XVI no Cancioneiro de Garcia de Resende, a lenda acabou por misturar-se com a história da cidade.

Durante o domínio filipino, Ulisseia-Lisboa serviu para alimentar um imaginário sobre resistência e autonomia. Camões, n’Os Lusíadas, apropriou-se da lenda, sacralizou a origem da capital e legitimou as Descobertas como devir de um povo heróico e itinerante que, tal como Ulisses, tem de partir para garantir o regresso a si.

Mais tarde, Fernando Pessoa, na Mensagem, abordou a epopeia pela vertente espiritual, cruzando mito e utopia numa visão de Portugal como possibilidade de uma impossibilidade, país-saudade cujo destino será a eterna procura de si mesmo.

Ulisses, o viajante inteligente e resiliente que levou dez anos a regressar a casa, poderia até ter chegado à ilha da Madeira, segundo uns. Ou não ter nada a ver com a fundação de Lisboa, segundo outros.

Certo é que, como sustentam Leonor Santa Bárbara e Luís Manuel Bernardo, esta ideia de Lisboa-Ulisseia como lugar simbólico de fronteira e de passagem, como soma de Portugal e do mundo, como cidade-narrativa que contrapõe ao carácter periférico o sonho do cosmopolitismo, faz parte de uma complexa trama identitária que antecede a própria fundação da nacionalidade.

Imagem: Ulisses e as sereias, de John William Waterhouse, 1891. Galeria Nacional de Victoria, Melbourne.

Escrito por
Paula Ribeiro Lobo

Investigadora do IHC - Instituto de História Contemporânea. Professora Auxiliar Convidada da NOVA FCSH.

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