Decidiu fundar duas editoras, escrever para os mais jovens e ser uma das pioneiras na literatura infantil. Ana de Castro Osório foi feminista, republicana, maçónica e escritora. Esquecida durante algum tempo, está viva nas suas obras e colaborações.
Ana de Castro Osório foi uma mulher que viveu entres dois séculos e três regimes. Do final do século XIX para o início do século XX, entre a Monarquia, a República e parte do Estado Novo, Ana de Castro Osório foi feminista, pertenceu à Liga Republicana das Mulheres Portuguesas, em conjunto com Adelaide Cabete, e a outras organizações, como a Maçonaria.
A par disso, a escritora viu nas mulheres e crianças públicos para a leitura. A população portuguesa no final do século XIX apresentava índices de analfabetismo de 76 por cento. A esmagadora maioria da população não sabia ler nem escrever, mas esta taxa diminuiu entre 1860 e 1900, com a construção de mais escolas públicas, principalmente escolas femininas.
A classe operária, com a redução do horário laboral, começou a preencher os tempos livres com a leitura. “O mundo da edição ganha novos contornos, sobretudo pelo aparecimento de novos públicos – as mulheres, as classes populares e as crianças”, escreve Inês Neto na sua tese de mestrado em Edição de Texto (2008) da NOVA FCSH.
“Ana de Castro Osório parece estar muito consciente dos seus propósitos literários quando escreve para crianças e ter a noção de estar a contribuir para a criação de um novo género”. Por ter esta consciência, em 1897 começou a escrever e só parou em 1935, aquando da sua morte. Teve mais de cem colaborações em revistas, conferências e jornais infantis, entre eles no Abc-zinho (1921-1932), A Escola (1903) e os Sportsinhos, jornais de Lisboa. Fundou duas editoras, a Livraria Editora para as Crianças e, mais tarde, a Lusitânia.
Os jornais infantis mantiveram-se e a aposta em conteúdos para os miúdos era notória, principalmente quando acompanhavam os jornais dos graúdos. Notícias Miudinho (1924-1933) e Pim-Pam-Pum (1925-1978) foram suplementos para crianças publicados no Diário de Notícias e n’O Século, respetivamente, o que demonstra a importância dada então ao público mais jovem.
Ao longo dos anos, e por não possuir obras infantis de referência, a escritora fez adaptações de contos estrangeiros e recolheu histórias tradicionais portuguesas através da história oral. Só com a Implantação da República é que este estilo passou a ser encarado como género literário. O ideal republicano de “instruir e formar divertindo”, que Ana de Castro Osório apoiava, era aplicado nas suas obras.
A versão da escritora do conto A História da Carochinha, de 1916, é um dos exemplos onde se denotam as “diferenças na narrativa do discurso” e do vocabulário, bem como o modo como Ana de Castro Osório encarava este estilo literário, aponta a investigadora. Nesta efervescência literária, começaram a surgir outros escritores dedicados a este género, como Virgínia de Castro e Almeida e o seu marido, João da Mota Prego.
Por outro lado, Ana de Castro Osório foi visionária quando lançou a coleção Para as crianças. Esta obra era vendida por fascículos com direito a brindes ou prémios, o que acabou por se consagrar numa estratégia eficaz na fidelização do seu público-alvo. As obras de Ana Castro Osório, enquanto editora, simplificaram-se com o decorrer dos anos, tanto ao nível da linguagem, como nas ilustrações que se tornaram mais adequadas às crianças.
Após a sua morte, Ana de Castro Osório esteve algum tempo “esquecida”. Porém, na segunda metade do século XX, as menções às suas atividades e contribuições na literatura infanto-juvenil ganharam notoriedade. Inês Neto aponta que, nos estudos sobre a mulher, a escritora “surge como uma das principais teorizadoras, defensora e activista da emancipação feminina, figura relevante na luta pela alfabetização das mulheres, pelo direito de voto ou o papel da mulher na esfera pública”.
Entre a sua intensa atividade, a escritora elaborou com Afonso Costa a Lei do Divórcio. Foi presidente da loja maçónica Humanidade e fundou outra, a que apelidou de Carolina Ângelo. Foi ainda tradutora e escreveu para o teatro.
Fotografia: Ana de Castro Osório. Créditos: Wikipédia