Não é novidade que a Baixa lisboeta tem muitos vestígios romanos, mas encontrá-los em locais improváveis é uma descoberta. Foi o que aconteceu na Rua Áurea, antiga Rua do Ouro, em 2014. Tudo por causa de um hotel.
Os números 133 ao 145 da Rua Áurea, antiga Rua do Ouro, “escondem” segredos sobre Olisipo, entre o século I e meados do século IV d.C. Através de uma investigação de estratigrafia, ramo da ciência que estuda as camadas do solo e os processos que as formaram, Rodrigo Banha da Silva, investigador do Centro de Humanidades (CHAM) da NOVA FCSH, refere num artigo (2017), escrito a quatro mãos com o arquiteto António Valongo, as descobertas da época romana feitas em 2014, antes da construção da unidade hoteleira The 7 Hotel.
O que tornou esta análise importante, referem os autores, foi a “a existência de ocupação na margem direita do antigo Esteiro da Baixa, junto ao sopé da colina oriental do Chiado/São Francisco” porque “vinha já sendo intuída e/ou equacionada a partir de achados dispersos, muitas vezes verificados em circunstâncias pouco esclarecedoras”. As intervenções decorreram no rés-do-chão e na cave, e demostram a utilização deste espaço como residências romanas ou, em alternativa, como local fúnebre ou sagrado.
Antes da construção do novo estabelecimento hoteleiro, em 2014, o interior do edifício tinha traça pombalina, embora com algumas modificações, em consequência do decorrer dos anos. O piso térreo ocultava uma formação do século XVIII que revela os hábitos de vida pombalinos e cerâmicas dos séculos XVII a XIX.
Já na cave do edifício foram encontrados materiais cuja funcionalidade ainda permanece desconhecida, mas que os investigadores creem ter sido útil na época romana: “um muro com uma ara adossada, um tanque, um embasamento maciço, um aglomerado de pedras anexo a este e um outro em tijolo, junto ao precedente”.
Este muro separava dois ambientes distintos e “é em torno dele que se centraram as dinâmicas construtivas verificadas no local, como as respetivas estratigrafias”. A norte, os vestígios estavam em mau estado de conservação. A sul, o compartimento ainda está envolto em mistério. Os investigadores desconhecem a sua utilidade, mas o material anfórico, como bilhas e ânforas orientais, revela um passado comercial lisboeta nesta zona.
Outros utensílios encontrados eram utilizados para a conservação dos alimentos, para a culinária e para o consumo de bebidas: potes, cerâmicas africanas de cozinha, partes de tachos ou jarros e ainda “um fragmento de fundo com pé de pucarinho da Baixa Idade Média”.
Parte destas descobertas e das histórias da Lisboa de outros tempos está exposta no The 7 Hotel. Estes materiais antiquíssimos são “um pequeno marco da rica memória que o local insuspeitamente encerrava”, destacam os investigadores.
Fotografia: Estabelecimento comercial na Rua Áurea. Arquivo Fotográfico de Lisboa.