São de materiais diversificados e voltaram a ver a luz do dia depois de uma escavação arqueológica no Largo do Coreto. Carlos Boavida, investigador do Instituto de Arqueologia e Paleociências da NOVA FCSH, devolve a função aos artefactos metálicos que foram aí recuperados.
A escavação arqueológica remonta a 2012 e 2013, durante a preparação dos terrenos para obras na zona histórica de Carnide. Essa intervenção permitiu identificar diversos vestígios, entre os quais um conjunto de silos, abertos no solo. Depois de terem perdido a serventia original, tudo indica que tenham sido usados como lixeiras, onde foram sendo descartados objetos. Foi assim que o seu conteúdo ficou guardado até aos nossos dias, à espera de quem lhes reconstituísse a história.
Além de numerosos artefactos cerâmicos, cujo estudo prévio permitiu datar a sua época entre finais do século XVI e a primeira metade do século XVII, foram recuperados objetos de vidro, de osso e de diversas ligas metálicas. Foram estes últimos que motivaram a análise de Carlos Boavida, em 2017, na qual procura reconstituir a sua função, devolvendo a vida ao que designa de “objetos inúteis, perdidos ou esquecidos”.
Classificou-os conforme o contexto a que pertenciam. Entre os objetos domésticos estão exemplares de fechaduras e de dobradiças provenientes de peças de mobiliário, como arcas e baús. Alguns permitem apurar pormenores, como a espessura das tábuas a que estavam presos. Elementos de bronze e cobre seriam aplicados no mobiliário com uma intenção meramente decorativa. Como sublinha o autor, “este tipo de ferragem pode ser observado em múltiplos exemplares da coleção de mobiliário do Museu Nacional de Arte Antiga, nomeadamente os atribuídos à primeira metade do século XVII”. Isto reforça o intervalo temporal identificado a partir dos elementos cerâmicos.
No universo dos utensílios de cozinha, resistiram não só várias lâminas de facas, mas também cabos — o que é mais raro — que ainda preservam elementos de madeira e osso. Os mais curiosos, até pelo nome, talvez sejam duas pintadeiras, que serviam para marcar pães e bolos, permitindo que os respetivos donos nunca se confundissem, quando eram cozidos em fornos comunitários.
A categoria instrumentos de oficina/profissionais serve para arrumar utensílios que “evidenciam a prática de determinadas atividades, como sejam os dedais de alfaiate, o martelo do carpinteiro/marceneiro, as machadinhas do carniceiro ou a sachola do agricultor ou jornaleiro”, descreve Carlos Boavida.
Na categoria objetos sonoros, há quase uma dezena de címbalos, que eram usados tanto em cerimónias religiosas como profanas. Juntam-se uma campainha que pode ter servido de badalo de cabras ou ovelhas, assim como guizos muitas vezes associados à falcoaria.
Nesta apresentação preliminar foram avaliados apenas 76 objetos, considerados representativos pela qualidade e diversidade. É uma pequena amostra dos mais de três mil artefactos metálicos que foram recuperados do solo de Carnide.
Imagem: dobradiça, um dos artefactos metálicos recuperados nas escavações.