As alterações urbanísticas e as novas dinâmicas de uma cidade trazem com elas novos sons. É esta relação que João Silva defende. O musicólogo da NOVA FCSH analisou como as mudanças urbanísticas por que Lisboa passou entre 1864 e 1908 estão diretamente ligadas com os novos sons que se fizeram ouvir.
Na segunda metade do século XIX, Lisboa foi invadida por uma oferta de espaços e bens de lazer, como teatros, tabernas, cafés, lojas e lojas de música.
A música deixou de se circunscrever ao seu espaço original – como uma ária numa ópera – para ser convertida em música ambiente de um espaço ou num produto para consumo doméstico. Esta capacidade de a música se adaptar a uma variedade de contextos públicos e privados promoveu a sua “circulação ubíqua em Lisboa”, defende João Silva, investigador do INET-md da NOVA FCSH, no capítulo “Porosity and Modernity – Lisbon’s Auditory Landscape from 1864 to 1908”, integrado no livro Cultural Histories of Noise, Sound and Listening in Europe, 1300-1918 (Routledge, 2017).
Para esta circulação da música pela cidade foi essencial a reformulação do espaço urbano, que começou com a construção da Avenida da Liberdade e continuou com as Avenidas Novas, o desenvolvimento da rede de transportes, a edificação de novos teatros, de que é exemplo emblemático o D. Maria II em 1846, e a criação de estabelecimentos comerciais, muitos dos quais ligados à música.
Porém, foi no dia a dia da cidade que os sons se disseminaram. O investigador utiliza o conceito de “porosidade” para analisar práticas que contribuíram para a propagação e interpenetração dos sons no espaço urbano. Os bairros históricos de Alfama, Bairro Alto, Madragoa e Mouraria foram exemplo disso: nestes espaços exíguos que obrigavam à concentração de habitantes, as tabernas tinham um papel central na sociabilização e na disseminação do fado, cujos sons saíam das paredes para as ruas.
Outro som do dia a dia era o dos pregões dos vendedores ambulantes, como as varinas nos mercados tradicionais, a que se somavam os músicos de rua e as bandas de instrumentos que atuavam nos espaços públicos.
Mas aquele som com presença mais ubíqua na cidade talvez continuasse a ser o dos sinos das igrejas. Marcavam os serviços religiosos, assinalavam as festividades ou denunciavam as horas – a passagem inevitável do tempo.
Imagem: atuação de banda de música lisboeta em 1900. Fotografia de Alberto Carlos Lima (Arquivo Fotográfico de Lisboa).