Sabia que as bandas civis e militares eram uma das principais atrações no Passeio Público, hoje a Avenida da Liberdade? E que a estação de comboios do Rossio era antes um jardim de verão onde atuavam as bandas e se lançavam balões? Ao ritmo do metrónomo, uma tese de doutoramento em Ciências Musicais da NOVA FCSH assinala os espaços públicos lisboetas onde as bandas eram as rainhas do convívio.
Não é só do Fado que reza a História de Lisboa. Esta pauta histórica começa com a emancipação das bandas militares e civis na segunda metade do século XIX. Estas marcavam presença “nos eventos abertos ao grande público, e nos meios mais restritos em cerimónias oficiais, tanto através das bandas militares como nas associações recreativas populares nos bairros lisboetas”, escreve Pedro Alexandre de Sousa, autor da tese de doutoramento (2014) em Ciências Musicais da NOVA FCSH sobre as Bandas de Música em Lisboa entre 1850 e 1910.
A compasso quaternário pelos espaços públicos lisboetas, o melhor programa de domingo à tarde era no Passeio Público, “o mais importante espaço de lazer e de convívio, frequentado pela família real nas tardes de domingo no século XIX” pois era neste sítio onde as bandas civis e militares atuavam e entretinham os transeuntes. Junto ao coreto, onde atuavam as bandas, juntavam-se os bazares, onde se compravam as bebidas e onde se concentravam imensas pessoas. Um artigo da Revista Universal Lisbonense (de 1852), citado pelo autor, descreve o ambiente de uma sexta-feira do ano de 1849, quando mais de sete mil e 600 pessoas se juntaram no Passeio Público para ouvir música e conviver.
Mas a chegada da iluminação a gás veio dar outro tom às noites lisboetas. No Passeio Público, as noites musicais eram “muito apreciadas pelo rei-consorte D. Fernando de Saxe-Coburgo-Gotha, Fernando II, que juntamente com a rainha D. Maria II assistiram ao momento inaugural da iluminação do Passeio Público”. E os concertos prosseguiram, mesmo quando o Passeio Público deu lugar à Avenida da Liberdade, em 1886. Desta vez, as atuações estavam ao encargo das bandas militares em certos dias da semana.
No coração de Lisboa, outro espaço que convoca uma barra de repetição nesta pauta histórica é a estação de comboios do Rossio. Antes de se tornar estação ferroviária, era um espaço ajardinado, pertencente a Henri Whittoyne, um palhaço inglês que com o seu trabalho conseguiu investimento para dar vida aos Jardins Whittoyne ou Recreios Whittoyne, um jardim de verão. Este era um espaço de lazer e de diversão, com jogos, teatro e subida de balões, acompanhados pelas bandas de música. Neste jardim, em setembro de 1876, decorreu até “um grande concurso musical em que participaram as principais filarmónicas de Lisboa”. À noite, a festa continuava.
A inauguração pela família real do Jardim Zoológico, em 1884, abriu portas a outro espaço de espetáculos. Os concertos eram às quintas, domingos e dias santos e foi nesse local que se interpretou, pela primeira vez no país, a Corte de Granada, de Ruperto Chapi (1851-1909), sob a batuta do maestro Rio de Carvalho.
O jardim de S. Pedro de Alcântara foi outro local onde a música e os concertos das bandas civis não faltavam, mas que levantou polémica entre 1880 e 1890. Isto porque o coreto não tinha condições para as bandas atuarem e estas foram proibidas pelo Comandante da 1ª Divisão Militar. O mais inédito foi o argumento utilizado pela Câmara Municipal de Lisboa, ressalva o autor, para que os concertos não cessassem. A CML referiu que os músicos podiam tocar de pé, sem estarem no coreto, à semelhança do que se fazia em França. Tudo em nome da música e do convívio.
Já a história do coreto do Passeio do Campo Grande ficou intimamente ligada à Real Fanfarra Triumpho e Alliança, conhecida pela Fanfarra do Campo Grande, que era ali presença assídua.
O Jardim da Estrela foi espaço de muitos concertos no coreto, mais conhecido por Pavilhão Chinês, entre 1895 e 1900. Uma das atuações, na celebração do dia de S. João de 1904, organizada pela Associação da Imprensa, está representada numa gravura onde se vê a banda a tocar no coreto do Jardim da Estrela. Igualmente se encontra o cenário de uma tarde de domingo na Avenida da Liberdade, com a banda a tocar, aponta o autor.
Saltamos a repetição desta pauta na figura musical de Coda e o registo fica no tom carnavalesco: “O Carnaval em Lisboa também não podia dispensar o serviço das bandas, sendo festejado com um cortejo na Avenida da Liberdade, onde as bandas civis e militares atuavam igualmente em coretos montados nas imediações da avenida”. A ocasião era importante e mereceu, em 1906, a presença da Tuna Madrilena, uma banda civil de Espanha.
A melodia desta pauta histórica termina com a barra dupla, ao revelar que na década de 1880 existiam 100 bandas filarmónicas em Lisboa, aumentando o número para 150 em 1910. De bairrista a burguesa, os diferentes tipos de música executados pelas bandas chegavam a qualquer público e inspiraram escritores. É o caso de Eça de Queirós que, na obra O primo Bazílio (1878), descreveu: “A música no coreto, bateu (…) de repente, alto a grande ruído de cobres, os primeiros compassos impulsivos da marcha do Fausto […]. Era um potpourri da ópera”.