O primeiro hospital pediátrico de Lisboa só ficou concluído 18 anos após a morte da rainha que o idealizou: D. Estefânia. Ainda hoje sediado na freguesia de Arroios, em Lisboa, é através dos brasões e dos símbolos deste edifício público que uma investigação da NOVA FCSH conta a sua história.
As guerras entre liberais e absolutistas marcaram parte do século XIX. A monarquia queria constituir um modelo moral para ser seguido e justificar a continuação deste tipo de regime no país. Foi então que, em meados do mesmo século, o matrimónio entre o rei D. Pedro V e a princesa alemã D. Estefânia gerou essa expetativa na aristocracia portuguesa.
“Além do seu contributo essencial para o prolongamento da dinastia, esperava-se que D. Estefânia constituísse exemplo de dedicação ao cônjuge e à prole que se futurava, de modo a que o casal pudesse servir de esteio moral ao conjunto da dinastia e ao reino”, conta Miguel Metelo de Seixas, investigador do Centro de Humanidades (CHAM) da NOVA FCSH, no artigo (2015) sobre a heráldica do hospital.
D. Estefânia era uma rainha sensível à causa das crianças pobres e carentes e propôs financiar o primeiro hospital pediátrico da capital com verbas que sobraram dos festejos do seu casamento. Cristã dedicada, pretendia deixá-lo a cargo de uma congregação religiosa. Porém, pouco tempo depois, a rainha faleceu.
Pedro V continuou com o projeto, mas desvinculou a administração do futuro hospital da esfera religiosa. O rei decidiu então nomear uma comissão de especialistas e, em 1860, entregou a liderança ao seu irmão, D. Luís. Em 1861, um ano depois, D. Pedro V pereceu e o seu irmão assumiu não só as obras, mas também o trono.
Em 1877, 18 anos depois da morte de D. Estefânia, a construção do hospital foi concluída no terreno que ainda hoje ocupa, na freguesia de Arroios. Dada a aura mítica que na altura envolveu a história de D. Estefânia, romantizada também pela imprensa da época, o hospital recebeu o seu nome. A rainha, mesmo depois da sua morte, tornou-se o cânone dos valores que o poder público queria ver instituídos em Portugal.
“O edifício projectado para o hospital dedicado à sua memória ostenta ainda hoje uma monumental pedra de armas na sua fachada“, afirma o investigador. Exemplo disso é o escudo na fachada principal, a pedra de armas de Portugal e Hohenzollern: a “qualidade escultórica desta peça heráldica é notável, sobretudo para as realizações costumeiras na época”.
Outra pedra de armas, de escultura mais simples, é possível encontrar na capela do hospital. Este local do edifício foi alvo de várias intervenções ao longo das décadas, mas mantém o seu valor heráldico. D. Estefânia é homenageada noutro local do hospital: “A memória da rainha encontra-se igualmente presente na pintura que ornamenta a capela-mor, em que ela é figurada rodeada de crianças em adoração à imagem de Nossa Senhora da Conceição”, escreve Miguel Metelo Seixas. Apesar de estes símbolos serem os únicos alusivos à rainha, por toda a estrutura pode-se encontrar outros elementos evocativos da história do primeiro hospital pediátrico de Lisboa.
Fotografia: Arquivo Municipal de Lisboa