Nas páginas de dois jornais lisboetas do século passado, a publicidade refletia o estado de Portugal na época de Salazar e da Segunda Guerra Mundial. A realidade dos anúncios não correspondia à situação do país e uma tese de mestrado demonstra o que mudou entre 1929 e 1945.
A publicidade desenvolveu-se no século XX e tornou-se um utensílio para o Estado Novo. De maneira a perceber as mudanças dos anúncios publicitários e a realidade camuflada em cada um, Hugo Franco analisou, na tese de mestrado em História (2011), as principais mudanças nos anúncios dos jornais lisboetas O Século e Diário de Notícias, entre 1929 e 1945.
O Diário de Notícias, fundado por Eduardo Coelho e Tomás Quintino Antunes, em 1864, e O Século, criado por Sebastião de Magalhães Lima, em 1880 e extinto em 1978, eram rivais na imprensa periódica nacional. Dos anúncios analisados, é de 1931 a 1936 que existe uma maior aposta na publicidade, na ordem dos 600 anúncios por ano.
A partir da década de 1940, houve uma quebra desta prática, com menos de 100 anúncios anuais: “com o início da Segunda Guerra Mundial verifica-se uma quebra no número de anúncios em ambos os jornais”, refere o autor. Apesar desta quebra, o setor terciário manteve a publicidade nas páginas do Diário de Notícias e d’ O Século.
Mas, que tipo de anúncios eram publicados no século XX?
Os anúncios da modernidade, do racismo e de género
A Companhia dos Telefones de Lisboa
A fraca adesão da população ao telefone é sintoma da “relutância na adaptação tecnológica” do país, aponta o autor. A Companhia dos Telefones de Lisboa, embora a funcionar há 50 anos, persistiu e continuou a apostar na divulgação deste serviço. Apesar de o telefone ser sinónimo de estatuto na sociedade, a maioria da população não tinha rendimentos para obter este serviço.
Farinha Lacto-Bulgara
Neste anúncio, Hugo Franco ressalta que ver os bebés mortos ou com fome, comparados com os bebés saudáveis, é “macabro e sórdido” mas revela a situação infantil em Portugal. A falta de cuidados de saúde, de que resultou elevadas taxas de mortalidade infantil a par com as elevadas taxas de natalidade, são um sintoma de um país com pouco progresso materno-infantil. “Hoje, não seria aceitável ser confrontado com nados-mortos num anúncio a papas neo-natais, são imagens que não povoam o nosso quotidiano e que agora recusamos”.
O automóvel como motor de prestígio e desigualdade de género
Sinal de prestígio e estatuto social. Era assim que o automóvel era publicitado, ao mostrar um país moderno e de elite. Incluíam-se “frequentemente figurantes femininas ao volante, esguias e trajando elegantemente e insinuando-se sensualmente, ou um núcleo familiar, elevando o automóvel ao expoente máximo de prestígio e masculinidade”. Mas a realidade era outra: a mulher ficava em casa, o país era pautado por baixos vencimentos e uma rede de estradas ainda pouco adaptadas ao automóvel.
Sociedade de Perfumarias Nally Lda
“Em Portugal a raça definha por falta de higiene.” Era assim que a Sociedade de Perfumarias Nally Lda publicitava os seus produtos, um discurso influenciado pela retórica nacional-socialista alemã, afirma Hugo Franco. O discurso nacionalista estava em voga e “em diferentes anúncios, é repetidamente mencionado, por esta sociedade, o argumento do nacionalismo enquanto valor principal e qualidade intrínseca dos seus produtos”.