O realojamento dos residentes dos bairros precários que compunham a paisagem urbana do Alto do Lumiar foi um processo de exceção mas a convivência entre classes sociais permanece incipiente. Será esse o grande desafio da Alta de Lisboa?
O Plano de Urbanização do Alto do Lumiar (PUAL) – área que ganhou a denominação comercial de Alta de Lisboa – foi publicado em Diário da República em 1998. Previa-se a construção de cerca de 19 mil fogos para uma população estimada de 60 mil habitantes.
Começou no mesmo ano o grosso do realojamento dos residentes dos bairros precários do Alto do Lumiar, no âmbito do Programa Especial de Realojamento (PER), um processo que terminou em 2007 com a transição dos moradores das Calvanas para as novas moradias.
O PUAL, ainda em execução, envolvia, além do realojamento das populações residentes, ajustes na articulação com a rede viária principal da cidade, atividades dinamizadoras de emprego e vida locais, a adopção de tipologias urbanas que valorizassem o espaço público e a integração de várias camadas sociais que iriam residir na nova área urbanizada, descreve Gonçalo Antunes, investigador do CICS.NOVA da NOVA FCSH, no seu livro intitulado “Da Musgueira à Alta de Lisboa: Recomposição Social e Urbana”, publicado com o apoio da Junta de Freguesia do Lumiar, Junta de Freguesia de Santa Clara e GEBALIS.
As populações foram realojadas em novos apartamentos sociais sem implicar a deslocalização territorial, mas tiveram de alterar o seu estilo de vida – passaram de habitações abarracadas térreas para edifícios de vivência coletiva. A prolongada estadia nos antigos bairros criou rotinas e hábitos difíceis de quebrar e nem todos os habitantes se habituaram ao novo estilo de vida em estrutura comum, sublinha o investigador.
No entanto, salienta, num processo de realojamento não basta melhorar e resolver a dimensão habitacional: “É indispensável assegurar uma visão multidimensional, material e imaterial que acompanhe as populações na fase pós-realojamento, assim como a sua inserção no novo estilo de vida”. O estudo sublinha ainda que o desenvolvimento da área atualmente conhecida como Alta de Lisboa assentou na mistura social induzida, isto é, na integração de várias classes – as carenciadas e as que compraram as habitações de venda livre – no mesmo espaço, mas não compreendeu a manutenção da herança histórica, “negando, em certa medida, o passado, num espaço que era a Musgueira e que hoje é Lisboa”.
Gonçalo Antunes reconhece também que durante o processo de realojamento os laços espaciais de vizinhança foram quebrados bruscamente, algo que assegurava a identidade dos indivíduos. O contacto direto entre os dois grupos – realojados e novos moradores – permanece incipiente e o fenómeno do condomínio fechado não ajuda. É o desafio do futuro da Alta de Lisboa. O sentimento de pertença é algo que demora a ser construído, mas o investigador não dramatiza: “as vizinhanças, vivências e estilos de vida não se desfazem, reinventam-se”, apontando ainda que a “integração social de grupos marcadamente heterogéneos é um processo contínuo, onde a variável temporal surge como um elemento nevrálgico para fazer cidade, num processo prolongado e, sobretudo, indeterminado”.
O PUAL continua em desenvolvimento. Sofreu, em certa medida, com as vicissitudes da crise económica e imobiliária dos últimos anos, mas é atualmente a maior área de expansão da cidade de Lisboa. Para o investigador, quando todo o projeto estiver terminado e o tecido social e urbano consolidado, poder-se-á olhar para a Alta de Lisboa como uma expansão que historicamente marcou determinado período da cidade, à semelhança da imagem que hoje se tem de outras expansões urbanas que distinguem Lisboa, como Campo de Ourique, Avenidas Novas, Alvalade, Olivais ou Telheiras.
Fotografia: Alta de Lisboa (créditos: Gonçalo Antunes).