Entre o rio e a terra, como é que Lisboa se defendeu?

Sabia que o primeiro registo da fortificação de Olisipo data de 138 a.C.? Aquela que viria a ser conhecida como Lisboa teve de aperfeiçoar as suas defesas contra as ameaças do rio e da terra ao longo dos séculos, explica uma investigação da NOVA FCSH.

De Olisipo a Lisboa, vários séculos se sucederam na defesa da cidade contra os indesejados. Mas o primeiro registo histórico da fortificação da cidade data de 138 a.C., quando Décimo Júnio Bruto, general romano, decidiu começar a sua viagem para pacificar a Lusitânia. É a Estrabão que pertence a imortalização das palavras: “Nas margens do rio (Tejo) fortificou Olisipo para ter mais livre o curso da navegação e o transporte dos víveres”. Os vestígios da época são quase inexistentes, mas presume-se que exista uma vala defensiva próxima das Portas do Sol de Lisboa.

É sobre a cidade que evoluiu e que aprimorou a sua defesa que André Teixeira, professor no departamento de História e investigador no Centro de Humanidades (CHAM) da NOVA FCSH, e José Manuel Garcia, do Gabinete de Estudos Olissiponenses da Câmara Municipal de Lisboa (CML), escrevem no artigo que pertence ao catálogo “Lisboa 1415 Ceuta – História de Duas cidades”. Este inventário resultou do projeto que assinalou os 600 anos da chegada portuguesa ao território africano, em 2015.

“Lisboa nasceu na colina que desce do Castelo de São Jorge, tendo em conta a sua excelente situação defensiva e a sua articulação com o Tejo”, afirmam os investigadores, o que incentivou a construção de fortificações na primeira metade do século I d.C. A cidade expandiu-se para sul e o rio Tejo, fonte de alimento, constituiu um meio de subsistência para a população da cidade.

Nos séculos III e IV, o crescimento populacional de Lisboa levou ao reforço da defesa das terras, com a construção de muralhas para limitarem o perímetro da cidade. Estas ficaram conhecidas como “cerca velha” ou “cerca moura”. Este património do passado ainda é visível no presente, sobretudo com as intervenções arqueológicas na Casa dos Bicos e noutros locais da frente ribeirinha, explicam os investigadores.

Antes da conquista de D. Afonso Henriques, em 1147, Lisboa defendia-se através do sistema islâmico. Baseado nas cidades muçulmanas, a cidade tinha duas edificações diferentes que lhe permitiam isso: a alcáçova – a fortaleza principal de um castelo, o centro político-militar – que era o Castelo de S. Jorge, e a medina “o núcleo urbano por excelência, que se espraiava a Sul daquela elevação até ao rio”.

Este sistema defensivo vigorou até 1294, quando D. Dinis mandou edificar uma nova muralha. Esta uniu a “cerca moura” à zona da atual Praça do Município. A muralha “protegia, assim, toda a zona da Baixa entre colinas, para onde a cidade se expandia rapidamente, mercê do incremento das atividades marítimas e transações comerciais a partir do porto”. Vestígios desta muralha foram encontrados, recentemente, na igreja de São Julião.

A cidade continuou a crescer, principalmente no redor de estruturas religiosas como as igrejas de São Francisco e Trindade e São Vicente e Graça. No século seguinte, no reinado de D. Fernando, a defesa da cidade teve que ser reforçada. Depois dos ataques castelhanos, o rei mandou construir outra muralha, entre 1373 e 1375. Esta construção, quase sete vezes maior que a “cerca velha”, tinha 77 torres e 38 portas e postigos.

Os vestígios da cerca fernandina têm sido identificados e conservados por arqueólogos nas últimas décadas. Podem ser encontrados nos anexos ao mosteiro de São Vicente de Fora, no Liceu Gil Vicente, no bairro de Alfama, no centro comercial do Chiado (Armazéns do Chiado), nos Terraços de Bragança na Rua António Maria Cardoso, no Palácio da Rosa e ainda no Martim Moniz, a Torre do Jogo da Péla.

Fotografia: Castelo de S. Jorge. Créditos:  João Leitão 

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Ana Sofia Paiva
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