O dia em que a primeira mulher votou em Portugal

Carolina Beatriz Ângelo fez o mais difícil no início do século XX: votar. O ato ficou imortalizado em fotografia, na freguesia de Arroios, em Lisboa, ao lado de Ana de Castro Osório. Porém, ainda havia muitas lutas por travar para a afirmação de género.

“No dia 28 de maio de 1911 Carolina protagonizou uma das páginas mais significativas da história das mulheres em Portugal”, escreve Isabel Lousada, investigadora no Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais (CICS.NOVA) da NOVA FCSH, numa comunicação de conferência (2011). Foi naquele ano que, ao lado de Ana de Castro Osório, a médica incentivou, ainda mais, a mudança do paradigma face à igualdade de oportunidades entre géneros.

Nesse mesmo dia, o jornal A Capital publicava o episódio:

Nesta altura a sr.a D. Beatriz Ângelo invocou o art.o 64 da lei eleitoral, segundo o qual não podem votar os indivíduos que estejam loucos ou embriagados.
Dada a forma como a maioria da assembléa se manifestou, quando se procedia à segunda chamada, o secretário leu, na devida altura:
– D. Carolina Beatriz Angelo!
– Sou eu! – exclamou a denodada suffragista, avançando para a meza e entregando a lista ao presidente, enquanto parte da assistencia a saudava com palmas.

Carolina Beatriz Ângelo era presidente da Associação de Propaganda Feminista (APF) e da Loja Humanidade, loja maçon na qual utilizava o nome de Lígia. Viúva de Januário Duarte Barreto, também ele médico e antigo presidente do Sport Lisboa, em 1910, tinha a seu  encargo uma filha de oito anos. Em 2011, a médica pediu o direito de voto invocando o estatuto de chefe de família e Ana de Castro Osório seguiu-lhe o exemplo.

Foi então que, a 3 de maio, se aprovou, pela primeira vez, a inclusão do nome de uma mulher nos cadernos eleitorais: o nome de Carolina Beatriz Ângelo. Curiosamente, tal decisão foi dada pelo juiz João Baptista de Castro, pai de Ana de Castro Osório, que viu negado o seu pedido. Contudo, tal decisão constituiu uma vitória a que Lisboa e o país assistiram e que, um pouco por todo o mundo, se refletiu nas mulheres.

No país, várias associações feministas lutaram para a igualdade de géneros e a possibilidade de voto, vedada às mulheres. A Liga Republicana das Mulheres Portuguesas e o Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas são exemplos que demonstram o poder de reivindicação. Tudo com o poder da palavra, oral e escrita. As propagandas, as conferências e as entrevistas a vários jornais tornaram possível os ideais ecoarem e inspirarem outras mulheres.

Outro objetivo passava, também, pela igualdade salarial entre géneros, refere a investigadora: “É pelo direito ao trabalho e por salário igual para trabalho igual que se batem as feministas de primeira vaga em Portugal, entre as quais situamos Carolina Beatriz Ângelo e Adelaide Cabete”. Contaram com o apoio de Afonso Costa, Teófilo Braga, Bernardino Machado e José Relvas, que se mostraram “favoráveis no apoio ao sufrágio feminino”. Carolina Beatriz Ângelo conseguiu o “impossível” e a luta continuou até aos dias de hoje.

Fotografia: à esquerda Ana de Castro Osório e à direita Carolina Beatriz Ângelo, no dia em que a segunda votou (fotografia adaptada)

Escrito por
Ana Sofia Paiva
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